SBMFC entrevista Patrícia Braz – vamos falar sobre doenças respiratórias na APS?

23 de março de 2018

Patrícia Dias Gomes Braz é médica de família e comunidade, membro do GT de Problemas Respiratórios da SBMFC e Docente da Faculdade São Leopoldo Mandic. 

SBMFC: Quais aspectos classificam uma doença/problema como respiratória? 

Patrícia: As doenças respiratórias são as doenças que acometem o trato respiratório alto (nariz, garganta), como o baixo (pulmão). Cursam com sintomas como tosse, falta de ar, coriza (nariz escorrendo) ou obstrução nasal, chiado no peito, entre outros. As doenças respiratórias mais comuns são a rinite alérgica, a asma e a DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica). Os principais fatores de risco para doenças respiratórias são o tabagismo e a poluição ambiental, além de exposição a algumas substâncias relacionadas ao trabalho.

SBMFC: Como a APS lida com os problemas respiratórios? 

Patrícia: A APS é a principal porta de entrada para o sistema de saúde e caracteriza-se por ser os serviços de saúde mais próximos das pessoas. Ou seja, as pessoas deveriam procurar primeiro seus médicos de família e comunidade (ou suas equipes de saúde da família) frente a qualquer alteração de sua saúde em que ela avalie ser necessário procurar um profissional. Uma APS bem qualificada pode diagnosticar e tratar em torno de 80 a 90% de todos os problemas de saúde. No entanto, no  que se refere às doenças respiratórias crônicas, a abordagem pela APS é restrita, com ênfase no tratamento sintomático das exacerbações, propiciando um elevado número de internações desnecessárias, alta morbidade, visitas frequentes a serviços de urgência, além de recorrentes faltas ao trabalho e à escola, resultando em um enorme custo econômico e social. Além isso é muito comum o subdiagnóstico  e a falta de controle dos sintomas. Diante dessa realidade, a APS precisa ser qualificada para tratar os problemas respiratórios mais comuns como a asma, DPOC, tabagismo, doenças infecciosas respiratórias, etc. Apenas uma parte destas pessoas, que apresentam quadros refratários ao tratamento orientado pelos profissionais da APS deveriam ser encaminhados para o especialista focal. Além disso a APS realiza trabalho em equipe e conta com enfermeiros e técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, fisioterapeutas, psicólogos, etc que contribuem muito para a abordagem das principais doenças respiratórias, que na maioria das vezes são crônicas e afetam outras áreas da vida das pessoas acometidas.

SBMFC: Existem protocolos definidos para diagnóstico e tratamento desses problemas? 

Patrícia: Sim. Os matérias que utilizamos e recomendamos para os profissionais da APS são o Caderno de Atenção Básica número 25, do Ministério da Saúde; as diretrizes clínicas para Asma e DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; o guia GINA para asma e o GOLD para DPOC. São fontes de informação muito completas e voltadas para o atendimento destas patologias na APS.

SBMFC: Há dados e estatísticas sobre a população brasileira com doenças respiratórias? 

Patrícia: Sim. A rinite pode ser considerada a doença de maior prevalência entre as doenças respiratórias crônicas, acometendo cerca de 20 a 25% da população em geral. Embora com sintomas de menor gravidade, está entre as dez razões mais frequentes de atendimento na APS. De acordo com o estudo International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), realizado no Brasil [J Pediatr 2006;82(5):341-6], a prevalência média de sintomas relacionados à rinite é de 29,6% entre adolescentes e 25,7% entre escolares, estando o país no grupo de países com as maiores taxas mundiais de prevalência, tanto em asma como em rinite.

A asma acomete cerca de 300 milhões de indivíduos em todo o mundo e frequentemente está associada à rinite. O Brasil ocupa a oitava posição mundial em prevalência de asma, com estimativas para crianças e adolescentes escolares variando de menos que 10 a mais do que 20% em diversas cidades estudadas, dependendo da região e da faixa etária consideradas. Em 2007, foi responsável por cerca de 273 mil internações, gerando custo aproximado de R$ 98,6 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Houve 2.500 óbitos, de acordo com o DataSUS, dos quais aproximadamente um terço ocorreu em unidades de saúde, domicílios ou vias públicas.

 

Um estudo de base populacional em São Paulo (Estudo Platino), em que foram realizadas espirometrias na residência em 1.000 pessoas, mostrou que a prevalência de DPOC era de 15,6% em pessoas acima de 40 anos, correspondendo a 18% dos homens e 14% das mulheres e que a prevalência aumenta com a idade. Vinte e cinco por cento dos fumantes eram portadores de DPOC. Desse modo, estima-se que existam 7,5 milhões de pessoas com DPOC no Brasil.           

 

SBMFC: Como é o acesso no SUS para essas demandas? 

Patrícia: O que observamos na prática é que no geral as equipes de APS não estão preparadas para diagnosticar e tratar essas demandas. Isso acaba tendo 2 efeitos no sistema de saúde: pacientes nas filas aguardando avaliação do especialista focal (pneumologista, alergista ou otorrinoloringologista) e aumento da demanda destes casos nos serviços de urgência/emergência, pois os pacientes não são tratados como deveriam.

 

Os serviços de APS tem total condição de diagnosticar e tratar as doenças respiratórias mais prevalentes, desde que seus profissionais sejam capacitados para isto e tenham suporte diagnostico e de tratamento para estas condições. Alguns sistemas de saúde municipais por exemplo, restringem pedidos de exames feitos pela APS (somente o especialista focal pode pedir) ou não ofertam o número necessário de exames diagnósticos (como RX tórax, espirometria, tomografia). Ou então não ofertam os medicamentos necessários para o tratamento. O Ministério da Saúde, através do programa Farmácia Popular, ampliou o acesso aos medicamentos necessários ao tratamento da asma, que costumam ser medicamentos caros. Porém alguns medicamentos, como por exemplo para DPOC, que tem alto custo, nem sempre estão disponíveis para quem precisa.

 

SBMFC: O tratamento precisa ser contínuo ou apenas quando há sintomas? 

Patrícia: Isso varia muito de acordo com o quadro apresentado, mas no geral o tratamento precisa ser contínuo (com exceção dos quadros infecciosos agudos, como pneumonia). Como dito acima, a maior parte dos problemas respiratórios são crônicos e mesmo que não seja necessário um tratamento medicamentoso contínuo, a prevenção das crises também faz parte do tratamento. Muitas vezes as pessoas acham que o tratamento consiste apenas no uso de medicações e acreditam que fora dos períodos em que não é necessário usar remédio não seria necessário nenhuma outra conduta. Porém o principal objetivo nas doenças respiratórias crônicas é a prevenção de novas crises. Acompanhamento regular diminuiu o número e a gravidade das exacerbações, diminuindo necessidade de internação e também de complicações e mortalidade por estas doenças.

SBMFC: Crianças e idosos são as populações mais acometidas? 

Patrícia: Sim. Esses grupos de pessoas (idosos e crianças) acabam sendo mais vulneráveis, devido suas condições biológicas. Crianças pequenas, principalmente as menores de 2 anos, ainda não apresentam seu sistema imunológico totalmente desenvolvido o que aumenta o risco de acometimento. Idosos muitas vezes tem outros problemas de saúde que comprometem seu sistema imune (como hipertensão, diabetes, tabagismo).

SBMFC: Existe alguma região do país que sofre mais com esses problemas? 

Patrícia: Sim. A DPOC foi responsável por 170 mil admissões no SUS em 2008, com permanência média de seis dias. A Região Sul do Brasil apresenta a maior taxa de internações, provavelmente por conta das temperaturas mais baixas. Portanto regiões com temperaturas mais baixas e também regiões com maior poluição ambiental costumam ter maior prevalência de problemas respiratórios.

SBMFC: Qual o papel do Grupo de Trabalho de Problemas Respiratórios da SBMFC?

Patrícia: Considerando a realidade das doenças respiratórias crônicas (DRC) e dos seus principais fatores de risco, as características do trabalho do MFC e das equipes de saúde no contexto da APS, a necessidade constante de atualização dos profissionais, o destacado desenvolvimento do conhecimento médico de acordo com as especialidades médicas focais ou áreas temáticas e a estruturação da formação médica em diferentes núcleos e níveis de competências, o papel deste GT é atuar na qualificação dos profissionais de saúde para diagnóstico e tratamento precoce das DRC, bem como na sensibilização e aconselhamento aos gestores do SUS na organização a rede de atenção à saúde, na expectativa de melhorar a prevenção dos fatores de risco e promoção de hábitos de vida saudáveis e consequentemente diminuir o impacto social econômico relacionado as DRC e aos seus principais fatores de risco.

SBMFC: Como são as atividades e interações com os membros? 

Patrícia: Até o presente momento, temos membros em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Nossas atividades de interação ocorrem através de reuniões presenciais, reuniões à distância através do Skype, discussões por e-mail e whatsapp. O grupo discute protocolos, participações em eventos, cursos, workshops, tudo pensando em se aproximar dos profissionais de saúde que trabalham na APS e sensibilizá-los para a importância deste tema.      

SBMFC: Existem critérios para inscrição no grupo? 

Patrícia: Médicos de família e comunidade com interesse no tema são o único critério para participação no GT. Os interessados devem acessar o nosso (BLOG: respirasbmfc.wordpress.com). Nessa página terão acesso há várias informações sobre o grupo, bem como a ficha de adesão para membro.

SBMFC: Eventos e participações nos congressos de 2018 estão programados? 

Patrícia: Para 2018, vamos participar da 9ª Conferência Mundial de Problemas Respiratórios na Atenção Primária, evento organizado pelo Primary Care Respiratory Group (IPCRG) na cidade de Porto em Portugal no período de 31 de maio a 02 de junho. Também  estamos programando a realização da nossa 1a.  Jornada Nacional de Problemas Respiratórios na Atenção Primária e I encontro Luso Brasileiro de Grupos de Trabalho de Problemas Respiratórios,   no mês de julho. Em breve estaremos divulgando local e data. Também planejamos a nossa participação no I Congresso Sudeste com uma programação pré-congresso  com  enfoque em oficinas de formação, onde serão abordados os seguintes temas: Curso de Atualização para a Abordagem da Pessoa Tabagista na Atenção Primária; Curso de Atualização para o Cuidado Multidisciplinar  do Paciente Respiratório Crônico na Atenção Primária e Curso de Atualização para o manejo da rinite e asma na infância e no Congresso e no VI Congresso Sul Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade onde pretendemos levar os mesmos cursos pré-congresso.