Entrevista Hêider Aurélio Pinto

21 de junho de 2011

 Leia a entrevista exclusiva do diretor do Departamento de Atenção Básica (DAB), Hêider Aurélio Pinto, que participa do 11º    Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, em Brasília (DF), entre os dias 23 e 26 de junho.

 

SBMFCConsiderando as discussões em curso e decorridos os primeiros seis meses de governo, quais são os planos do Ministério da Saúde para a Atenção Primária à Saúde durante a gestão do Ministro Alexandre Padilha?

Hêider Pinto – A Atenção Básica é uma prioridade de governo, tanto para o ministro Alexandre Padilha quanto para a Presidente Dilma Rousseff. Essa é uma notícia que temos de celebrar muito. As diretrizes do Aprimoramento da Política de Atenção Básica já foram aprovadas na Comissão Intergestores Tripartite, sendo que mais de seis Portarias foram confirmadas, faltando apenas a que substituirá a Portaria 648. A proposta contempla diversos ‘nós’ críticos que têm condicionado o desenvolvimento e a qualificação da Atenção Básica.

Ela amplia o financiamento federal da Atenção Básica em quase R$ 1 bilhão para este ano, além de ter pautado o tema “PAB-SUS”, ou seja, o Financiamento Tripartite da Atenção Básica. Também enfrenta o tema da precária infraestrutura com o Programa de Qualificação das UBSs que impactará nas condições de trabalho e no ambiente, e pretende mudar a cara daquela que deve ser a principal porta de entrada do SUS.

Estamos falando aqui de UBSs amplas, acolhedoras, equipadas, com espaço para práticas educativas e conectadas com banda larga. A isso se articula um vigoroso processo de informatização: a implantação do Cartão Nacional de Saúde e do Registro Eletrônico do Usuário que permite um salto de qualidade no cuidado em saúde e na efetiva coordenação do cuidado. Garantir o acesso aos brasileiros implica em operar estratégias que estimulam os profissionais a se distribuírem em todo o País. Demos o nome de “Saúde em Todos os Lugares” o conjunto de estratégias que envolvem abatimento de valores do FIES, pontuação extra para residência, oferta universal de residência e especialização em Saúde da Família e Telessaude, entre outros.
Investir pesado na formação, nas condições de trabalho e na qualificação dos vínculos, remuneração por desempenho e nas carreiras, é outra linha que reconhece a centralidade do investimento no trabalhor. Vale ainda destacar o ousado Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica, já aprovado na CIT, que dispara importante processo de Contratualização, Apoio Institucional, Auto Avaliação e Avaliação Externa e Aumento do Financiamento em função de Resultados e da Melhoria continua da Qualidade.

SBMFC Inúmeros trabalhos demonstram a eficácia do modelo de APS adotado pelo Ministério da Saúde nos últimos 15 anos na melhoria das condições de saúde da população brasileira, todavia, a atual gestão tem apontado a possibilidade de introdução de incentivos financeiros a diferentes modelos de atenção primária que comprovadamente se demonstram pouco eficazes (nacional e internacionalmente). No caso da concretização desta mudança, haverá um modelo de atenção primária priorizado pelo Ministério? Em caso positivo, qual será este modelo e como o Ministério pretende garantir a sua consolidação em detrimento de outros menos eficazes?

Hêider – O modelo defendido pelo MS deve operar em toda a Rede de Atenção, no conjunto dos pontos de Atenção e na relação entre eles, tendo a Atenção Básica como base. A Política de Melhoria do Acesso e da Qualidade estimula a mudança efetiva do Modelo de Atenção hegemônico que opera na Atenção Básica, seja com equipes que funcionam conforme a composição preconizada pelo Saúde da Família ou não. Neste aspecto, o MS prioriza e estimula o generalista e médico de família na composição das equipes de Atenção Básica, quanto a isso não há nenhuma dúvida de nossa parte, porque sabemos que comparando 100 equipes de saúde da família com 100 que não são, no conjunto, as de Saúde da Família são melhores, ainda que não possamos extrapolar essa informação para cada uma delas. Em uma frase, a composição da equipe de Saúde da família é a modelagem prioritária. O que tem gerado confusão é que, de forma Tripartite, mudamos o Financiamento. Hoje temos financiamento de mais de uma modelagem na medida em que o PAB paga per capta independente da modelagem e o PAB variável paga pela adesão à modelagem no caso da Saúde da Família. Como ficou agora? O PAB Fixo pagará a partir do próximo mês em função da necessidade do Município medida por indicadores que expressem pobreza, território e demanda, por exemplo.

O PAB Variável segue financiando a adesão a Estratégia de Saúde da Família só que reconhecendo adaptações da mesma a situações específicas como áreas rurais, de floresta, população de rua e áreas densamente povoadas. E foi criado um Componente de Qualidade do PAB Variável que financia em função da qualidade e dos resultados alcançados, ou seja, Equipe de Saúde da Família que apresenta maior qualidade agrega os três financiamentos. Equipe de Atenção Básica, não Saúde da Família, que se organiza conforme os princípios da Atenção Básica e que alcança resultados semelhantes, agrega dois destes financiamentos, o PAB Fixo e o Componente de Qualidade. Ou seja, o modelo de financiamento caminha para os resultados e assim induz qualidade em toda a Rede. Caminhamos para uma transição na qual as propostas se firmam pela qualidade efetivamente alcançada, pelo impacto real no usuário de modo que o que defendemos fica mais forte, consolidado e sustentável por ser demonstrado e não só afirmado discursivamente.

SBMFC – Tendo em vista as evidências científicas nacionais e internacionais que demonstram o efeito positivo de ter um profissional médico com perfil generalista na Atenção Primária, em sua opinião, qual o papel a ser desempenhado pelo Médico de Família e Comunidade dentro da nova Política Nacional de Atenção Básica que vem sendo anunciada?

Hêider – O papel do Médico de Família é central e a este profissional, assim como os demais que compõem as equipes, nós dirigimos um conjunto de estratégias de valorização e fortalecimento. Como disse anteriormente, passam pelo avanço na garantia de condições de trabalho, equipamentos, direitos trabalhistas e previdenciários, remuneração por desempenho, carreira, formação adequada, estratégias de educação permanente que o convidem a ser educando e educador, informatização do trabalho, dispositivos de pactuação, participação e contratualização, base para ampliação da resolutividade por meio do Telessaude, microrregulacao para avançar na coordenação do cuidado e apoio matricial, entre outros. Ou seja, estamos buscando colocar em marcha uma política abrangente que considera as distintas implicações: de educando, educador, trabalhador em busca de direitos, militante, esperto em busca de excelência, responsável junto com a equipe pela Saúde no território e pela gestão do cuidado longitudinal das pessoas daquele território.

SBMFC – Em sua opinião, qual a importância do treinamento médico específico para atuação na APS e, em especial, o treinamento realizado nos moldes da Residência Médica? E no caso da impossibilidade da formação por meio de Residência Médica, você considera importante a certificação profissional através de Prova de Titulação?

Hêider – Nossa meta é garantir a formação adequada para todos que queiram ser especialistas em Saúde da Família, médicos, enfermeiros e dentistas, entre outros. Assim, vamos fazer todo o esforço possível para ampliar as vagas de residência e a ocupação das mesmas, além de igual esforço para garantir a especialização em diferentes formatos: presencial, semipresencial, integrada a carreira e com a lógica de itinerários de formação. Quanto ao título de especialidade, esta sempre é uma opção do trabalhador frente ao que representa este reconhecimento no campo das especialidades médicas e na relação com suas respectivas sociedades. Do ponto de vista público, meu interesse nesse campo é numa forte parceria com a SBMFC para o desenvolvimento de processos de formação, estimulo de boas práticas e da qualidade, fomento de comunidades de práticas, construção conjunta de protocolos e construção de estratégias de suporte a decisão à distância.

SBMFC Dentro do anunciado Plano de Qualidade e Acesso na APS, haverá algum diferencial para estimular o aumento do número de equipes compostas por profissionais com formação específica para atuação na APS? E em caso positivo, quanto ao profissional médico, qual formação ou titulação será considerada como “padrão ouro” (que receberá maior pontuação) para atuação na APS?

Hêider – Sim, sem dúvida. Porque nosso objetivo é estimular esta formação, este perfil. E aqui há uma sincronia com a expansão de vagas para residências e especialização, pois se você faz a oferta de um lado e valoriza do outro, você tende a ampliar a procura, o que tem potencial de reduzir a oferta ociosa de hoje e mesmo dar saltos quantitativos no quadro atual. Por esse motivo o objetivo não é definir um “padrão ouro” e, sim, fortalecer um movimento de modo que se o profissional já é especialista, aqui estou falando dos médicos, mas também dos demais profissionais da Atenção Básica, ou se ele esta em processo de especialização latu sensu, isso será considerado e pontuado para fins do processo de Certificação.