Redes entrevista presidente da SBMFC

16 de novembro de 2011

Confira a entrevista com o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Gustavo Gusso, sobre APS, publicada no portal Redes de Atenção à Saúde Coordenadas pela APS (Opas/OMS). (reprodução: portal Rede de Pesquisaem APS)

1 – Quais as principais fragilidades e os desafios a serem enfrentados pela APS no SUS?

Gustavo Gusso – Creio que os desafios da APS não são muito diferentes dos próprios desafios do SUS, ou seja, fazer de fato um sistema universal e equânime. As classes média e alta usam um sistema muito ruim, gastador, pouco custo-efetivo e com um escore de Atenção Primária muito ruim. É um capricho que precisa de financiamento público para ser sustentado e isso é injusto. Uma APS forte teria poder de corrigir isso, mas a questão é saber se a sociedade quer corrigir isso ou quer que o sistema continue ruim para todo mundo, mas com uma sensação boa para quem usa o privado por se aproximar muito do comércio.

2 – O que falta para alcançarmos uma APS forte?


Gustavo Gusso – Certamente mais recurso financeiro, mas sem vontade política não mobilizamos recurso nem conseguimos usá-lo adequadamente. A Atenção Primária cuida de 90% dos problemas e pessoas ganham muito com sua desorganização. Não se pode perder isso de vista.

3 – O que é preciso avançar para a efetiva implantação de Redes de Atenção coordenadas pela APS no SUS?


Gustavo Gusso – Precisa ampliar a cobertura e melhorar tanto infraestrutura quanto capacitação profissional da APS. Também é preciso orientar os sistemas de acordo com a necessidade e não de acordo com os desejos dos profissionais ou das corporações. Isso vale para médicos e não médicos. Bem, para tudo isso é preciso decisão da sociedade e vontade política.

4 – Como você avalia a nova Política de Atenção Básica publicada pelo Ministério da Saúde?

Gustavo Gusso – Vejo alguns pontos positivos, mas muitos outros preocupantes. Como ponto positivo, a vontade de se investir em atenção primária e em infraestrutura. Como negativo, a tese equivocada de que faltam médicos porque o vínculo é de 40 horas. Não há um estudo que comprove esta teoria da atual gestão. Falta médico na Estratégia Saúde da Família, pois no dia que isto estiver resolvido teremos uma Atenção Primária de país francamente desenvolvido. Não acho correto o Conasems pautar o Ministério da Saúde como vem ocorrendo, pois os secretários municipais são os "consumidores finais", muitas vezes apresentam demandas desvirtuadas.

5 – A CIT aprovou a flexibilização da contratação de médicos para a APS, com diferentes cargas horárias. Resolve o problema? Qual a sua avaliação?

Gustavo Gusso – Definitivamente não resolve. Havia uma política chamada Estratégia Saúde da Família que dava um direcionamento e este envolvia 40 horas. Ela era financiada pelo PAB variável, que correspondia à menor parte do financiamento. A maior parte vem do PAB fixo que não é atrelado a nenhuma política.

Agora há risco de uma desorganização geral, ou seja, do governo federal não dar um rumo, nem aumentar o PAB fixo. Como diziam que era rígida se a maior parte do financiamento era pelo PAB fixo que dava autonomia ao município? O problema da regulação da formação médica é muito mais profundo que as 40 horas. Se conquistar novos profissionais será os que não querem se dedicar a APS e corre o risco dos que se interessam irem buscar outros rumos.

6 – Quais as características necessárias da APS para enfrentar o desafio das condições crônicas, caracterizado hoje como uma epidemia global?

Gustavo Gusso – O principal desafio é justamente não separar drasticamente as crônicas das agudas nem prevenção primária e secundária da terciária ou quaternária. As pessoas procuram os serviços de saúde por problemas crônicos agudizados. Isto é estudado. Os serviços devem estar preparados para esta integração, se não, serão serviços de atenção primária precários.

7 – Quais são as principais frentes de atuação da SBMFC em defesa da APS e do SUS?

Gustavo Gusso – Como entidade científica temos tentado agregar e difundir conhecimento. Desde estudos, como os conduzidos pelos pesquisadores espanhóis Juan Gervas e Mercedes Perez que visitaram 80 centros de saúde de todo o Brasil, passando por uma revista científica, título de especialista, congressos nacionais e regionais e, etc. Como somos médicos de família praticamente nos dedicamos à assistência, ensino, pesquisa e gestão da atenção primária no sistema público.

8 – O que traz o estudo realizado por especialistas espanhóis sobre a APS?

Gustavo Gusso – Bem, ali há um dos relatórios mais completos produzidos nos últimos anos. Eles trabalharam como professores, pesquisadores e médicos assistentes na Espanha por 30 anos e se aposentaram em 2009. Ou seja, difícil ter alguém com tanta experiência mundial e disponibilidade de visitar unidades de saúde de todo o Brasil. O relatório fala de problemas estruturais e organizacionais como entendimento muitas vezes equivocado do papel da APS no Brasil sobre o tema prevenção, organização vertical das equipes e, etc. São temas que estão passando batido e de certa forma até fortalecidos pela chamada Política de Melhoria da Qualidade.

Fonte: Redes de Atenção à Saúde Coordenadas pela APS- OPAS/OMS