Seminário SBMFC – Organização e Gestão de Serviços de Saúde em Países Desenvolvidos (com ênfase em APS)

14 de dezembro de 2011

A SBMFC realizou entre os dias 21 e 22 de novembro, em São Paulo, o seminário “Organização e Gestão de Serviços de Saúde em Países Desenvolvidos (com ênfase em APS): estrutura, processo e resultado" coordenado pelos médicos generalistas espanhóis, Juan Gérvas e Mercedes Péres Fernández.

Organizados por Gérvas e Mercedes em uma roda de discussão (foto), os cerca de 30 participantes, entre médicos de família, enfermeiras e residentes, discutiram aspectos referentes a importância da qualidade do sistema sanitário para o desenvolvimento de um país, em especial, no âmbito da saúde, tendo como foco a atuação do MFC. “É fundamental que o médico de família entenda seu papel no sistema sanitário e atue dentro dele. O sistema sanitário não salva vidas. Todos que nascem, morrem um dia. O sistema prolonga a vida”, afirmou o espanhol.

"Todas las personas tienen tesoros… y nosotros tenemos que creer en esto"

Juan Gérvas (foto)


Assista no Youtube os vídeos do Seminário. Confira aqui

 

Abaixo, veja o relato de impressões da Médica de Família Juliana Soares.

Inicio este "relatório de impressões" com esta frase, dita por nosso professor, pois apesar de fazer meu trabalho diariamente acreditando nisto, muitas vezes creio pouco em meu próprio tesouro, e sendo objetiva e resumida (He hecho uma carta corta porque tuve tiempo), sai do seminário com três ganhos principais:


1. Reafirmação de valores;
2. Mudança de paradigmas;
3. "Una pimienta en culo"

Discorrerei brevemente sobre estes três ganhos, de acordo com as impressões mais marcantes que tive nestes três dias. Não tive a intenção de descrever tecnicamente o seminário, pois este foi gravado e posteriormente será divulgado pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

Iniciamos os trabalhos com um professor pontualíssimo. Iniciamos as 8:03, por atraso nosso (e isto o professor deixou claro). Coisa difícil de ver neste "país continental" onde muitas pessoas costumam chegar atrasadas para trabalhar, as reuniões geralmente começam com mais de meia hora de atraso e isto é "normal".

Depois de uma explicação sobre o que veríamos nos três dias que se sucederiam, da introdução sobre "Sistema Sanitário" e conceitos afins, passamos para uma sessão de apresentações pessoais que, na verdade, serviu para a "catarse dos demônios" que ficaram nos nossos locais de trabalho. Senti que todos os participantes estavam, de alguma forma pedindo ajuda… ajuda para não desistir do sonho que adotamos quando resolvemos seguir a Medicina de Família e Comunidade. Mas Juan e Mercedes não estavam ali para "dar o peixe… e sim para ensinar a pescar".

O que mais me marcou na exploração do assunto "sistema de saúde públicos e privados" foi quando Juan falou sobre os problemas de sistemas que fazem pagamento por salário, como o nosso. E o principal problema é a "corrupção de tempo". Refleti sobre o quanto eu falo sobre cumprimento de carga horária para os servidores que trabalham comigo e sinceramente, por vezes duvidei se estava certa, por conviver com o erro maciço e opressor. Ponto para mim: agora tenho uma nova frase "Cumpra sua carga horária ou estarão sendo corruptos!"

Outra passagem marcante foi a explicação sobre "barreiras invisíveis". Refletindo sobre o assunto, cheguei a algumas conclusões (baseada nas discussões do seminário) do por que isto é tão forte no Brasil:


Por nossa construção sanitária, que sempre reforçou o modelo hospitalocêntrico, medico-centrado, focado na doença e fragmentado;
Consequentemente, a maior parte dos cursos médicos são fragmentados, hospitalocêntricos, especializados (focais) e iludem tecnologicamente os alunos;
E acredito que, por desconhecimento, descontentamento, acomodação ou até mesmo preguiça, os próprios profissionais que trabalham na Atenção Primária no Brasil "ajudam o barqueiro a quebrar a ponte". Desafio: Escrever um trabalho sobre "Os por quês do (auto) boicote à APS no Brasil: Não faço porque não quero, não sei, não deixam, não tenho!"

Também recordei de um refrão de uma bela música muito conhecida no Brasil:

"Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante" (de Raul Seixas)
Isto aconteceu em vários momentos em que Juan falou de gestão e de prática clínica: desde a ideia de fazer gestos simples, como uma flor sobre a mesa, até a não prescrição de um antibiótico diante de uma disúria, ou a realização de exame oftalmológico na APS, ou a racionalidade na solicitação de densitometria óssea para o (não) possível uso de alendronato, ou a atitude de contestar um protocolo (geralmente equivocado), ou a confiança que temos que depositar em nossas equipes para fazer coisas "ousadas" e corajosas, ou a melhor crítica sobre a constituição brasileira, ou desenvolver raciocínio crítico sobre sistemas de saúde do Brasil (que agora compreendo que, apesar de ser um pais continental, não tem sistema de saúde público fatidicamente) e do mundo. Ou seja, repensar práticas, atitudes e crenças foi o exercício que eu mais fiz nestes três dias.

"Una pimienta em culo", para não dizer uma pimenteira inteira. Sai do seminário com inúmeras idéias "borbulhantes", para melhorar ou mesmo redefinir meu trabalho na Atenção Primária:


1. organizar-me melhor para estudar mais;
2. "escribir y seguir";
3. compartilhar e aprender com nossos pares ("Colegio Invisible");
4. servir mais de exemplo para fomentar mais mudança ("Efecto Senda");
5. ser mais ousada e confiar mais no trabalho do outro para que este possa desenvolver autoconfiança ("Efecto Hawthone") e
6. com tudo isto continuar acreditando que podemos fazer da Atenção Primária a ordenadora do nosso sistema de saúde ("Efecto Rosenthal").

Juan e Mercedes, agradeço por ensinar-nos a pescar.


Juliana Oliveira Soares