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Artigo: O fetiche dos medicamentos

9 de abril de 2021

Por Francisco Arsego de Oliveira – médico

francisco.arsego@ufrgs.br

Os medicamentos fazem parte da vida do ser humano desde sempre. Antigamente, quando a ciência ainda engatinhava, as poções dadas pelos nossos curandeiros primitivos continham apenas a vontade de curar e a magia. Ao longo do tempo, contudo, os avanços científicos – não só dos medicamentos – contrabalançaram um pouco da magia com ciência, permitindo que vencêssemos muitas doenças, melhorássemos a nossa qualidade de vida e aumentássemos a nossa longevidade. O preço disso foi termos criado a impressão de que todas as drogas teriam poderes mágicos de cura e a ideia (equivocada) de que sem medicação, não há tratamento.

De fato, como afirmou William Osler, um dos pais da medicina moderna, “o desejo de tomar medicamentos é talvez a maior diferença que distingue os homens dos animais”. Lembro de uma velha conhecida da família que sempre dizia “Há remédio para tudo nesse mundo”, o que reforça um simbolismo e, ao mesmo tempo, uma visão muito simplista.

Poucas vezes, porém, a vida e a saúde em especial podem ser tratadas de forma tão simples. Agimos sob influência de uma sociedade que estimula o consumo e que, ao mesmo tempo, oferece “soluções” para tudo. No caso da medicina, um medicamento. É óbvio que as drogas atuais funcionam muito bem para inúmeros problemas, o que ajuda a reforçar ainda mais a sua aura de magia.

Uma das coisas que mais tem chamado a atenção dessa pandemia, além das vacinas e da polêmica do confinamento, foi o intenso debate sobre o “tratamento precoce” para Covid.

A discussão aqui não é se esses medicamentos funcionam ou não, mas sobre o desejo que temos de tomá-los. Mesmo dentro da lógica que há remédio para tudo e para tudo há remédio, infelizmente temos que admitir que ainda enfrentamos muitas limitações na nossa prática médica. Assim, quando deixamos de prescrever um medicamento que pretensamente não funciona, isso não significa dizer que somos contra a medicina ou contra determinado governante, mas simplesmente que temos consciência das nossas deficiências. E isso talvez ajude a explicar a frustração de todos nós pela inexistência de uma droga inequivocamente eficaz contra o vírus até agora.

Desejarmos que um medicamento funcione não faz que ele tenha êxito automaticamente. Nem se dissermos isso alto e repetidamente nas redes sociais! O que funciona nesses casos é apenas a magia, e isso se chama efeito placebo.