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Dia da Visibilidade Bissexual – 23 de setembro

30 de setembro de 2021

No dia 23 setembro comemora-se o Dia da Visibilidade Bissexual. Por esse motivo, o GT de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos compartilha conosco alguns dados e convida todes MFCs para algumas reflexões.

 

VISIBILIDADE BISSEXUAL NA MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE

Ana Paula Andreotti Amorim  e Mauro Barbosa Júnior, membros do Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC 

 O termo “bissexualidade” pode ser utilizado para representar orientações afetivo-sexuais monodissidentes, ou seja, que não se direcionam a pessoas de apenas um gênero e portanto não se enquadram no padrão das monossexualidades (heterossexualidade, homossexualidade, lesbianidade.1 A orientação afetivo-sexual pode representar vivências relacionadas aos desejos e atrações afetivo-sexuais, às experiências de uma comunidade ou às representações políticas comuns.

No campo da atração, uma forma de definir a bissexualidade é a atração afetiva e/ou sexual por pessoas de mais de um gênero, não necessariamente ao mesmo tempo, da mesma forma e nem com a mesma intensidade.2 Dentro dessa compreensão, a pansexualidade (atração sexual independentemente ao gênero da pessoa) e a polissexualidade (atração por mais de um gênero, mas não por todos) também são representações da bissexualidade, embora algumas vezes sejam defendidas como orientações sexuais independentes. 

Apesar de existirem diferentes definições que objetivam classificar e delimitar quem são as pessoas bissexuais, a forma como cada pessoa se identifica em relação à sua orientação sexual pode considerar muitas variáveis e, por isso, a auto-referência individual é o que define a orientação sexual de uma pessoa. Portanto, a comunidade bissexual é diversa.2 Por isso, profissionais de saúde devem incluir perguntas sobre identidades em suas entrevistas clínicas, mas também devem saber que a nomeação de uma orientação sexual não traduz as experiências emocionais, relacionais ou sexuais vividas.

Muitos estigmas e preconceitos cercam crenças a respeito de pessoas bissexuais, como a idéia de que uma pessoa bissexual pode escolher se vai se interessar por um uma mulher, um homem ou uma pessoa de outro gênero. Outro equívoco é acreditar que ninguém é bissexual de verdade e que uma pessoa que se diz bissexual só estaria vivendo uma fase, enquanto não se define de uma forma monossexual. Também é um preconceito comum achar que somente pessoas que se relacionam com a mesma quantidade ou na mesma frequência com mulheres e homens poderiam se reivindicar bissexuais.2

 

Profissionais de saúde também reproduzem, de maneira não intencional, percepções discriminatórias que invisibilizam e desvalorizam a bissexualidade como orientação afetivo-sexual. Frequentemente, profissionais de saúde mental  deslegitimam a bissexualidade e a relacionam com doenças e transtornos de personalidade,3 patologizando pessoas bissexuais.4

 

Por esses estigmas, pessoas bissexuais costumam ter mais dificuldade do que lésbicas ou gays para declarar sua orientação sexual para pessoas próximas, o que acaba por aumentar o risco de gerar solidão e desamparo.5 As discriminações vividas pelas pessoas bissexuais em todas as esferas sociais resultam em maior incidência de sofrimentos emocionais e adoecimentos relacionados à saúde mental do que em pessoas heterossexuais, gays ou lésbicas6,7 que é ainda maior em pessoas jovens8 e não-brancas.5     

Mulheres, homens e pessoas não-binárias podem vivenciar a bissexualidade de maneiras distintas, relacionadas às construções sociais atreladas ao seu gênero.

Quais são as exclusões e violências vividas por mulheres bissexuais?

É comum, mas incorreto, acreditar-se que mulheres bissexuais são mais aceitas socialmente do que homens bissexuais. Essa aparente maior aceitação relaciona-se à objetificação de mulheres, uma violência simbólica de base machista e heterossexista que fetichiza o corpo e a vivência de mulheres como se fossem benefícios disponíveis aos homens. Também relaciona-se com a desvalorização dos relacionamentos e das práticas sexuais entre mulheres, como se o relacionamento que uma mulher tem com outra não fosse tão importante quanto o que ela teria com um homem.2

A exposição da orientação sexual de uma mulher bissexual leva a fantasias acerca de suas relações íntimas e de suas práticas sexuais, com associações que geram crença de que ela é promíscua e que tem alta disponibilidade para práticas sexuais. Esse estigma se representa nas taxas de violências sexuais, pois mulheres bissexuais sofrem estupro em proporções muito maiores do que mulheres lésbicas e heterossexuais.5

Mulheres bissexuais estão sujeitas a maiores taxas de violência por parcerias íntimas, inclusive em relacionamentos com outra mulher. Construções sobre a promiscuidade e a invalidade da identidade de mulheres bissexuais levam a bifobias praticadas por companheiras lésbicas, como não validar relacionamentos prévios com homens ou acreditar menos na fidelidade da companheira achando que vão ser trocadas por um homem.5,2 Uma outra bifobia comumente disseminada é taxar mulheres bissexuais como vetores de doenças, que levam IST para a comunidade de lésbicas.9

O afastamento de serviços de saúde e a discriminação vivida resulta em adoecimentos físicos, mas não em relação a riscos de ISTs. Mulheres bissexuais recebem menos oferta de papanicolau e têm registros de maior incidência de dor pélvica e de câncer de colo de útero do que mulheres heterossexuais.10 Também há registros de piores condições de saúde em geral, pior controle de doenças crônicas e maior risco cardiovascular.5

Por todas essas situações, mulheres bissexuais relatam pior qualidade de vida do que mulheres lésbicas.5 Mesmo quando sofrem menos discriminação do que mulheres lésbicas, as mulheres bissexuais experimentam piores condições de saúde mental, com maior incidência de transtornos alimentares, de histórico de auto-mutilação, de sensação de tristeza ou ansiedade e de ideação suicida.11

A qual sexualidade os homens bissexuais são alijados? E quais são as repercussões à saúde?

A validação social é regida pela (cis)heteronorma, e consequentemente binária, quando pensamos em relacionamento afetivo-sexual. Por tanto, homens bissexuais só são validados como tais enquanto estão em um relacionamento heterossexual, caso contrário têm sua orientação e identidade sexuais caçadas e são lançados ao submundo da “alcova da pederastia”. Tal termo faz alusão a um lugar circunscrito, secreto e criminalizatório ao qual os homens bissexuais, e demais homens que fazem sexo com homens, são relegados. 

Nessa hora faz-se valer toda a LGBTfobia internalizada, ou seja, o preconceito sexista arraigado e reproduzido dentro da comunidade LGBTQIA+, por seus próprios membros.12 Os homens bissexuais são tomados pelo pavor homofóbico de não mais performar sua heterossocialidade e pela possibilidade  de confisco da sua “carteira de macho”. A heterossocialidade,  versa sobre convencimento social de  quão heterossexual você é, algo como uma passabilidade,16 só  que heterossexual, que seria o poder de convencimento social sobre sua a performance da sexualidade. 

Estigmas alimentados pela invisibilidade e pela LGBTfobia internalizada, fazem com que, por exemplo, homens bissexuais tenham maior prevalência de transtorno de humor e consumo nocivo de álcool, quando comparados aos heterossexuais. Ademais, estão mais suscetíveis à ideação e à tentativa de suicídio, quando comparados a pessoas não-bissexuais.13

O aspecto colonial de gênero só faz crescer sua hierarquia, acirrando as diferenças entre gêneros, e sexualidades. Nessa hierarquia binária, portanto maniqueista, tudo que é atribuído ao homem é positivo, e a mulher o negativo. Nesse momento o dito feminino toma um lugar subalterno, e com isso totalmente indesejável, no que tange à performatividade. 

Assim, o imperialismo (cis)heteronormativo faz dos desejos sexuais contra-hegemônicos, não-normativos, fala-se aqui, mais precisamente do desejo homoerótico do homem bissexual, em algo subjugado, não permitido. Transforma o desejo sexual em algo perverso, tornando-o objeto de repressão. 

Essa repressão sexual, comum aos homens bissexuais, mas também pungente nos homens gays e outros homens que fazem sexo com homens, traz um submundo sexual, onde o proibido (socialmente) se torna desejável.

Não é incomum um caráter masoquista ganhar corpo, já que às sexualidades masculinas não-heterossexuais são destinadas ao resto, ao desafeto, às relações objetais, a tal alcova pederasta, sendo esta agora objeto de desejo e repulsa. Sexualmente relegados, fazem valer a lógica do dominante e do dominado, reforçando o aspecto colonial mais uma vez.

Nessa hora o aspecto colonial alça o homem que faz sexo com homem ao lugar subalterno feminino. A relação de passividade sexual dada ao homem anorreceptivo, sob o prisma da (cis)heteronorma, o torna feminino, portanto a(o)bjeto. O inverso acontece com o anoinsertivo, lido como sexualmente ativo, traz em si todos os predicados (in)desejáveis da masculinidade, ambos portanto embebidos de machismo, e consequentemente misoginia.

Esse maniqueismo sexual é alimentado pelo binarismo, no que tange às performatividades e práticas sexuais , também é presente fortemente dentro da comunidade LGBTQIA+. Portanto, mesmo entre os gays, homens bissexuais e entre homens que fazem sexo com homens, essa lógica binária é sustentada, reproduzida e estigmatizada. 

Homens bissexuais e demais homens que fazem sexo com outros homens costumam ser relegados ou atribuídos a práticas sexuais isentas de afetividade e predatórias, sob a égide (inverossímil) da testosterona. Este padrão de postura em relação aos homens bissexuais aumenta o risco de torná-los mais suscetíveis e expostos a diferentes formas de adoecimento, como aumento de chance de serem  infectados pelo HIV,14 de desenvolverem câncer anal por HPV15 e incontinência fecal,16 por exemplo.

O que podemos fazer pela saúde de pessoas bissexuais?

A vivência plena da sexualidade e o gozo da saúde sexual é um indicador de saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde. Porém, ainda se faz necessário que profissionais de saúde se qualifiquem progressivamente para abordar questões relacionadas à sexualidade em uma consulta, cuidando das pessoas e tratando das consequências destes estigmas, verificando se a queixa trazida pode estar relacionada com uma questão de gênero ou de orientação sexual. 

Estratégias de cuidado em saúde para pessoas bissexuais devem incluir atendimento sigiloso e respeitoso a todas as pessoas, com abordagem e reconhecimento de identidades, vivências e percepções. Uma abordagem centrada na pessoa se faz imprescindível, reforçando atitudes como a validação da orientação sexual e reconhecendo relacionamentos como legítimos.

Profissionais podem dedicar-se para identificar suas atitudes inadequadas, como patologização ou negligência de ofertas relacionadas à orientação sexual. Os serviços de saúde, através de seus espaços de gestão, também devem observar quais são as fragilidades dentro de sua equipe e de seu fluxo de trabalho, considerando que um serviço acolhedor às diversidades de usuárias e usuários também deve ser acolhedor à diversidade de seus profissionais.

Referências Bibliográficas

1) Jaeger MB, Longhini GN, Oliveira JM, Toneli MJF. Bissexualidade, bifobia e monossexismo: problematizando enquadramentos. Periódicus. 2019 mai-out;11(2) 

2) Eisner S. Tradução de Moschkovich I. BI: notas para uma revolução bissexual. 1ª ed. 2021. Editorial Linha a Linha; São Paulo.

3) Page, E. Bisexual women’s and men’s experiences of psychotherapy. In B. A. Firestein (Ed.), Becoming visible: Counseling bisexuals across the lifespan. Columbia University Press. 2007:52-71.

4) Mohr JJ, Weiner J. Effects of client bisexuality on clinical judgment: when is bias most likely to occur? Journal of Counseling Psychology. 2009 Jan;56(1):164-175.

5) Movement Advancement Project (MAP). Invisible majority: the disparities facing bisexual people and how to remedy them. 2016 sep:29. Disponível em: www.lgbtmap.org

6) Barker MJ. Depression and/or Oppression? Bisexuality and Mental Health. Journal of Bisexuality. 2015;15(3):369-384.

7) Ross LE, Dobinson C, Eady A. Perceived determinants of mental health for bisexual people: a qualitative examination. Am J Public Health. 2010 Mar;100(3):496-502.

8) Fredriksen-Goldsen KI, Kim HJ, Barkan SE, Balsam KF, Mincer SL. Disparities in Health-Related Quality of Life: A Comparison of Lesbian and Bisexual Women. American Journal of Public Health. 2010 Nov;100(11):2255-2261.

9) Facchini R. Bissexualidade em movimento [Post do Blog Espaço B].2004. Disponível em: ttp://blog-espaco-b.blogspot.com.br/2010/06/bissexualidade-em-movimento-agostode.html 

10) Robinson K, Galloway KY, Bewlwy S, Meads C. Lesbian and bisexual women’s gynaecological conditions: a systematic review and exploratory meta-analysis. BJOG An Internationl Journal of Obstetrics and Gynaecology. 2016 Nov;1-12. DOI: 10.1111/1471-0528.14414

11) Colledge L, Hickson F, Reid D, Weatherburn P. Journal of Public Health. 2015; 37(3):427-437.

12) Mayfield W. The development of an internalized homonegativity inventory for gay men. Journal of Homosexuality. 2001;41(2):53–76.

13) Persson T, Pfaus J. Bisexuality and Mental Health: Future Research Directions. Journal of Bisexuality. 2015; 15.

14) Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2018; 49(53). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2018/boletim-epidemiologico-hivaids-2018

15) Nadal SR, Manzione CR. Papilomavirus Humano e o Câncer Anal. Rev bras Coloproct, 2006;26(2):204-207.

16) Markland AD et al. Anal intercourse and fecal incontinence: Evidence from a 2009–2010 National Health and Nutrition Examination Survey. Am J Gastroenterol 2016 Feb; 111:269.

16) Duqie, T. Gêneros Incríveis: um estudo sócio-antropológico sobre as experiências de (não) passar por homem e/ou mulher. Campo Grande: EDUFMS, 2017.