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Moção de indignação e repulsa em relação à brutal morte de Moïse Kabagambe

3 de fevereiro de 2022

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) manifesta profunda indignação, consternação e completa repulsa em relação à brutal execução do jovem negro Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, ao mesmo tempo em que presta solidariedade aos familiares e amigos de Moïse, estendendo a todas as pessoas africanas e seus descendentes que vivem no Brasil que, direta ou indiretamente, foram atingidas por esta barbárie.

 

Moïse, negro, imigrante, jovem, estudante de arquitetura que saiu do Congo com a família fugindo da guerra e da violência, foi morto a pauladas por um grupo de homens e teve o corpo brutalizado e abandonado amarrado no bairro da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, no dia 24 de janeiro de 2022.

 

A SBMFC reconhece que o perfil de Moïse reflete o grupo de vítimas com maior vulnerabilidade quando se trata de morte por causas externas ou mortes violentas, com destaque para homicídios no Brasil. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes entre pessoas negras no país é de 29 por 100 mil habitantes, enquanto que entre brancos e amarelos é de 11 por 100 mil habitantes. Sabe-se que 77% dos homicídios no Brasil são de pessoas negras e que um negro tem mais chances de ser morto do que um não negro na maioria dos estados brasileiros, com exceção de apenas dois estados onde isto não ocorre (Cerqueira, 2021).

 

Este crime chocou o Brasil e o mundo e atingiu a todas as pessoas, mas também é inegável que se trata de prática de racismo, a qual tem sido um importante determinante da saúde, do processo de adoecimento e morte das pessoas negras, assim como a raça/cor da pele. Além disso, se a vítima fosse um jovem branco, estudante, da classe média do Rio de Janeiro, as ruas estariam lotadas e os noticiários abarrotados de informações, debates, entrevistas com especialistas para analisar o caso sob vários ângulos 24 horas por dia ininterruptamente, assim como se esta morte brutal houvesse ocorrido com um jovem em outro país. Certamente a reposta seria imediata.

 

Temos convicção de que a barbárie ocorrida e flagrada não se trata de algo infrequente ou uma exceção. Infelizmente a prática cotidiana de racismo está tão naturalizada que não ganha a pauta nacional para além de situações pontuais para a espetacularização. Pessoas negras têm sido vítimas de violência racial onde quer que estejam, seja por negação de direitos como saúde e educação, seja por ação violenta do Estado, materializada através das incursões das forças de segurança em bairros e comunidades negras, entre outros, com resultado de mortes e mais violência. Alguns elementos nos indicam também de que esta situação não está restrita ao bairro em questão ou a cidade do Rio de Janeiro.

 

A permanente indiferença da sociedade frente à violência e mortes que atingem as pessoas negras mantém as mesmas num ciclo de vulnerabilização. Choca mais ainda quando se tem a informação de que nos últimos seis anos outros cinco congoleses foram mortos de forma violenta no Brasil, de acordo com o Itamaraty (https://g1.globo.com). São práticas permanentes de exclusão e morte que estão se naturalizando – há um longo tempo – numa sociedade que muitas vezes nega a obviedade do racismo, ainda que reafirme a violência racial utilizada para a tentativa de dominação dos povos originários e construção das riquezas do Brasil, culminando com os genocídios dos povos negro e indígena e que seguem em curso.

 

Bradamos aqui para que, especificamente neste caso, sejam adotadas medidas legais necessárias para o adequado esclarecimento dos fatos, bem como a responsabilização de todas as pessoas envolvidas, na medida da responsabilidade de cada uma delas e que também o mesmo ocorra com todos os demais casos envolvendo os outros cinco congoleses (https://g1.globo.com).

 

Por fim, repudiamos veementemente o racismo e não podemos tolerar qualquer nível de violência e brutalidade, quer seja pela ausência ou presença do Estado. O que sabemos até agora é que precisamos construir um lugar seguro para pessoas negras no mundo (lembremos aqui Marielle Franco, Miguel Silva, Amarildo, George Floyd, os 12 Jovens do Cabula, João Vitor, Sandra Bland, Menino Joel, Micael Silva, entre as inúmeras pessoas negras vítimas de homicídio), pois a família de Moïse acreditava que ele teria segurança no Brasil e por esta razão saiu do Congo e chegou aqui com status de refugiado, devendo estar protegida pelas instituições brasileiras.

 

Não podemos mais evitar a morte física de Moïse Mugenyi Kabagambe, negro, jovem, com sonhos a realizar, com um futuro brilhante pela frente. Mas podemos evitar a sua morte política enfrentando o racismo que tirou a vida de Moïse e impedindo a morte de tantas outras pessoas negras.

 

Justiça para Moïse Mugenyi Kabagambe e seus familiares!

 

Referências

1. Atlas da Violência 2021 / Daniel Cerqueira et al., — São Paulo: FBSP, 2021. 

 

2. G1/Globo. Em seis anos, cinco congoleses foram mortos no Brasil, embaixador afirma nunca…Disponível em: https://g1.globo.com