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Por que a falta de absorventes afeta a saúde das mulheres?

14 de outubro de 2021

Nota sobre o veto presidencial à distribuição de absorventes às adolescentes e mulheres em situação de vulnerabilidade sociorracial

 

Segundo o Relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos” do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um absorvente à mão quando menstruam, assim como tem sido violados seus direitos à escola de qualidade, segurança alimentar, moradia digna, saúde, incluindo sexual e reprodutiva, não sendo garantidos seus direitos à água, saneamento e higiene nos espaços em que convivem e passam boa parte de suas vidas.

O relatório ainda revela que este também é um problema em vários países do mundo e é associado à iniquidade e à vulnerabilidade social: pelo menos 500 milhões de mulheres, meninas que menstruam em todo o mundo carecem de condições adequadas para sua higiene menstrual, como instalações e fornecimento regular de água, rede de saneamento e coleta de lixo – particularmente em locais públicos, como escolas, locais de trabalho, centros de saúde,  segundo dados do Banco Mundial (https://www.worldbank.org/en/news/feature/2018/05/25/menstrual-hygiene-management). Importante destacar que ao incluirmos  homens trans e pessoas não binárias neste contingente, este número seria ainda maior. Neste mesmo contexto, podemos incluir as instituições prisionais e unidades para cumprimento de medidas socioeducativas, as quais apresentam estrutura precária e sub-humana com falta de espaço e de higiene, como apontam os dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça (https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/cidadania-nos-presidios/).

A falta de portas que possam ser fechadas com segurança em banheiros e a indisponibilidade de meios para descartar absorventes higiênicos usados ​​e água para lavar as mãos representam desafios para mulheres e outras pessoas que menstruam manterem sua higiene menstrual de forma privada, segura e digna. Um crescente corpo de evidências mostra que a incapacidade de as meninas administrarem sua higiene menstrual nas escolas resulta em absenteísmo e evasão escolar o que, por sua vez, acarreta graves consequências para suas vidas, seu desenvolvimento, sua formação e inserção no mercado de trabalho, favorecendo a perpetuação do ciclo de pobreza com impacto econômico significativo para seus países.  (https://www.worldbank.org/en/news/feature/2019/05/24/menstrual-hygiene-day-2019)

Este cenário de exclusão representa mais do que limitação de acesso aos insumos menstruais, água e saneamento. Está associado a normas e crenças sociais, como acontece em muitas culturas em que mulheres menstruadas são consideradas impuras e periodicamente excluídas da participação nas atividades cotidianas, convivência familiar e comunitária, que envolvem educação, lazer, emprego e práticas culturais e religiosas. Estes tabus e estigmas associados à menstruação levam a uma cultura geral de silêncio em torno do assunto, resultando em informações limitadas sobre menstruação, saúde sexual e reprodutiva e higiene íntima. Também agravam a saúde mental e afetam a dignidade de meninas e mulheres, servindo para consolidar o status de suposta inferioridade de gênero.

Considerando os múltiplos desafios que as mulheres e demais pessoas que menstruam enfrentam, especialmente quando adolescentes, é evidente que a promoção da gestão da higiene menstrual não é apenas uma questão cosmética ou de conforto; é um passo importante para salvaguardar a dignidade, a integridade física e as oportunidades gerais de vida delas. “No Brasil, as mulheres que estão entre os 5% mais pobres precisam trabalhar até quatro anos só para custear os absorventes que usarão ao longo da vida”, informa o Relatório já citado.

O Projeto de Lei 4968/2019, da deputada Marília Arraes (PT/PE), aprovado na Câmara e Senado depois de quase dois anos de tramitação, institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual que, em seu artigo 1º, cria o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos (PFAH) nas escolas públicas que ofertam anos finais do ensino fundamental e durante o ensino médio,  como estratégia de enfrentamento à precariedade menstrual.

O PFAH foi motivado pelo reconhecimento da necessidade de apoio demandado pelas próprias famílias e visa a garantir a distribuição gratuita de absorventes higiênicos a todas as mulheres e demais pessoas que menstruam – incluindo as que estão em situação de maior vulnerabilização pela pobreza e acometidas pelo racismo institucional. Desta forma, estas poderiam acessar os itens indispensáveis para a sua saúde, de maneira que não sejam impelidas à exclusão das suas atividades sociais regulares no período menstrual, sobretudo quando se encontram sob responsabilidade e custodiadas pelo Estado (em unidades estaduais ou federais), como no caso das mulheres em situação de prisão e em cumprimento de medida socioeducativa. O PFAH tem o objetivo de garantir dignidade menstrual para pessoas que menstruam, com equidade sócio-racial em um país profundamente heterogêneo e desigual como o Brasil.

Entretanto, o governo federal, através do presidente da República, vetou o trecho da Lei no momento da sanção, que previa justamente a distribuição gratuita de absorvente menstrual para estudantes de baixa renda de escolas públicas – estudantes dos ensinos fundamental e médio – e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema, incluindo mulheres privadas de liberdade e adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. A justificativa foi de dificuldades financeiras. Entretanto, entendemos que a questão do veto não se relaciona às dificuldades financeiras do país e sim às políticas governamentais atuais impostas pelo Ministério da Economia, envolvendo perdas de direitos sociais e diminuição de recursos da saúde e da educação. Um dos exemplos é o orçamento aprovado para saúde em 2021, que sofreu um corte de 20 bilhões de reais em relação a 2020, em pleno período de pandemia e pós-pandemia. Outro corte orçamentário para o Ministério da Educação, que sofreu um bloqueio de  R$ 2,7 bilhões de reais. (Fonte: Agência Câmara de Notícias).

O veto, está também profundamente relacionado à histórica negação dos direitos das mulheres – destacadamente no âmbito do Direito Sexual e Reprodutivo e do não reconhecimento da maior vulnerabilidade de mulheres pobres e periféricas, em sua maioria negras e indígenas, que serão as maiores prejudicadas. Está relacionado a uma gestão da vida das pessoas que segue contribuindo para o aprofundamento do ciclo de vulnerabilização e exclusão destes grupos no que tange a cidadania, qualidade de vida e saúde, além de contribuir para a invisibilização das necessidades das mulheres e dos diversos papéis que assumem e exercem na sociedade, especialmente as mulheres negras e pobres. Desta forma, o  PFAH é  um instrumento fundamental no combate às disparidades sociorraciais e para a redução dos efeitos da precariedade menstrual, como acima relacionados, e também para impedir o uso de objetos impróprios, e por vezes perigosos, em substituição aos absorventes (como papel higiênico, jornal, trapos de tecidos e miolo de pão) e a acentuação do sofrimento e adoecimento ao qual estão expostas as mulheres e demais pessoas vulnerabilizadas que menstruam.

Uma vez que o veto ainda pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, manifestamos nosso apoio e respeito à bancada feminina composta por senadoras e deputadas que articulam votos no congresso para a derrubada do referido veto, entendendo que esta demanda diz respeito a toda a sociedade e, desta forma, a todas, todos e todes parlamentares que reconhecem e assumem a sua responsabilidade política e social, para além de interesses políticos e partidários, não devendo as ações para a derrubada do veto estar limitadas às mulheres parlamentares, mas objeto de apreciação para pactuações e mobilizações dos entes federados e de forma intersetorial, configurando uma real política de Estado no combate às iniquidades de gênero.

 Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2021

Grupo de Trabalho em Saúde Prisional – SBMFC

Grupo de Trabalho de Mulheres na Medicina de Família e Comunidade – SBMFC

Grupo de Trabalho em Saúde da População Negra – SBMFC

Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)