A vacinação contra COVID-19 no Brasil

13 de maio de 2021

Por Ethel Maciel, Carla Domingues, Ligia Kerr, Denise Garrett, Michelle Fernandez e Margareth Dalcolmo (Rede Brasileira de Mulheres Cientistas) 

O Brasil possui um dos maiores e mais completos programas de vacinação do mundo. Desde sua criação em 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi determinante para uma diminuição significativa de casos e óbitos por doenças imunopreveníveis. Através da erradicação da varíola, a eliminação da poliomielite e da febre amarela urbana, assim como a redução de outras doenças infecciosas, o PNI possibilitou mudanças importantes na expectativa de vida no país (Ministério da Saúde, 2013; Teixeira e Domingues, 2013; Temporão, 2003). Infelizmente, dentro do atual governo o PNI perdeu seu protagonismo e o que tinha tudo para ser um sucesso na vacinação para a COVID-19, tem se tornado um dos maiores fracassos na história da imunização do país. Os embates do governo relacionados à vacina e ao processo de vacinação contra a COVID-19 se iniciaram em meados de 2020 e foram muitos:

• O Governo Federal criou uma crise diplomática com a China, o maior produtor de insumos farmacêuticos ativos do mundo, que repercutiu na capacidade do Brasil em produzir vacinas. As duas maiores instituições brasileiras produtoras de vacina, o Instituto Butantan, responsável pela CoronaVac, e a FIOCRUZ, pela AstraZeneca, foram profundamente afetadas.

• Em 2020, o governo brasileiro poderia ter encomendado 200 milhões de doses da COVAX, a Aliança Mundial de Vacinas formada por 165 países que buscam garantir suas vacinas, mas se recusou a fazer parte desta coalizão e, de última hora, se somou ao grupo encomendando apenas 42,5 milhões de doses (WHO, 2021).

• A Pfizer ofereceu a venda de 70 milhões de doses da vacina, mas o governo nunca respondeu à consulta da empresa. • O Ministro da Saúde anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, mas foi desautorizado pelo presidente da República e suspendeu a compra.

• O Ministério da Saúde também não assinou contrato com a Janssen em 2020, mesmo com a empresa afirmando que o Brasil seria prioridade para a entrega de vacinas, por ter sido sede do estudo clínico de fase 3.

Esses são apenas alguns dos exemplos dos erros cometidos. Se a gestão da pandemia no Brasil tivesse sido conduzida de maneira correta, e a devida prioridade dada à vacinação, poderíamos estar enfrentando esta pandemia com 316 milhões de doses suficientes para vacinar 78% da população, e 75% de vidas brasileiras perdidas pela COVID-19 poderiam ter sido salvas (Hallal, 2021).

Além da ineficácia e incompetência na compra de vacinas, a falta de organização e decisão política interferiu nas compras frustradas em pregão de insumos para a campanha, não havendo, por exemplo, uma compra planejada de seringas de alta precisão para o não desperdício de doses de vacinas.

Foram vários erros cometidos também na condução da campanha de vacinação, como a informação à imprensa de grupos prioritários com fases definidas. Posteriormente, a retirada das fases e a criação de um grande grupo prioritário com quase 78 milhões de pessoas. Essas mudanças, em um curto espaço de tempo, possibilitaram a abertura para que estados e municípios pudessem definir a ordem de prioridades e acabou gerando desalinhamento e descoordenação por parte do PNI aos programas estaduais e municipais (Ministério da Saúde, 2020; 2021).

É a primeira vez no Brasil que uma grande campanha de vacinação não está sendo precedida de campanha de informação sobre as vacinas, necessidade de se vacinar, grupos prioritários, o que fazer em caso de eventos adversos etc. A falta de treinamento das equipes e de comunicação coordenada e transparente é notória e impacta negativamente no processo de vacinação da população e na qualidade do trabalho dos profissionais da saúde responsáveis. Pela primeira vez também temos duas vacinas com intervalos diferentes, possíveis eventos adversos diferentes e não há orientação para os profissionais de saúde de forma centralizada e coordenada. Portanto, o Ministério da Saúde não vem exercendo seu papel de coordenação também na vacinação contra a COVID-19.

A vacinação é uma estratégia coletiva e para atingirmos a imunidade comunitária ainda neste ano exigirá de nós uma melhor organização e defesa da utilização de todas as doses possíveis, mas com a garantia da manutenção do esquema vacinal aprovado pela nossa agência regulatória, a Anvisa.

Nesse contexto, perguntamos:

1) Por que não houve planejamento, por parte do Governo Federal, da compra de diferentes vacinas já no final do primeiro semestre de 2020, quando muitos países se adiantaram para garantir suas vacinas, assinando acordos de intenção durante os testes clínicos, para quando as mesmas fossem aprovadas?

2) Por que não foi elaborado um Plano Nacional de Vacinação com escalonamento de todos acima de 18 anos para o alcance de 70% de população vacinada e foi permitido que cada município definisse a ordem de vacinação dos grupos prioritários a serem vacinados? 3) Por que não foram adquiridos insumos adequados antecipadamente para garantir o máximo aproveitamento de doses de vacina? 4) Por que os acordos com o Butantan, Janssen e Pfizer não foram firmados até fim de dezembro de 2020?

5) Por que o Brasil definiu a compra de apenas 10% de vacinas para cobrir a população brasileira pelo COVAX, se poderia ter adquirido até 50%?

6) Por que uma campanha de informação sobre as vacinas não foi feita pelo Governo Federal antes do início da campanha de vacinação?

7) O governo colocou que não poderia assinar o contrato da Pfizer anteriormente, em decorrência da existência de cláusulas leoninas e que a legislação não permitia. Por que o MS não recomendou a submissão ao Congresso de um projeto de lei para resolução destas questões, que foram resolvidas somente em abril de 2021, com a mudança da legislação, por demanda do Congresso e não do MS?

8) Na primeira versão do Plano o MS disse que iria usar o ConectSUS para fazer o cadastramento da população e agendamento da população. Por que esta estratégia foi abandonada? Ela evitaria os fura filas e organizaria o processo da vacinação, evitando as perdas que estão ocorrendo no final do dia ou a necessidade de ter vacinação de grupos que não estão na prioridade de vacinação, pelo vencimento do prazo de uso das vacinas

9) Por que o SIPNI ou ESUS-AB não estão sendo utilizados para controlar os estoques nos municípios?

10) Por que não foram adquiridos os “super freezers” para armazenamento da vacina da Pfizer com antecedência, o que fez com que a vacina só possa ser utilizada nas capitais?

Referências

BRASIL. Agência Saúde. Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde. (2020). CORONAVÍRUS. A Vacinação contra a Covid-19 será feita em quatro fases. Brasília: Agência Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/ptbr/assuntos/noticias/vacinacao-contra-a-covid-19-sera-feita-em-quatro-fases [Acesso em 8 de maio de 2021].

HALLAL, P. C. (2021). SOS Brazil: science under attack. The Lancet, vol. 397, n. 10272, p. 373-374. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. (2013). Programa Nacional de Imunizações (PNI): 40 anos. Brasília: Ministério da Saúde. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programa_nacional_imunizacoes_ pni40.pdf [Acesso em 8 de maio de 2021].

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. (2020). Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 – 1a edição. 1. ed. Brasília: Ministério da Saúde.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis. Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações. (2021). Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 – 2a edição. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde.

TEIXEIRA A. M. S. & DOMINGUES C. M. A. S. (2013). Monitoramento rápido de coberturas vacinais pós-campanhas de vacinação no Brasil: 2008, 2011 e 2012. Epidemiologia & Serviços de Saúde, vol. 22, n. 4, p. 565-78.

TEMPORÃO, J. G. (2003). O Programa Nacional de Imunizações (PNI): origens e desenvolvimento. História, Ciência e Saúde, vol. 10, Suppl. 2, p. 601-617.

WHO. (2021). The COVAX facility: interim distribution forecast. WHO. Disponível em:https://www.who.int/publications/m/item/the-covax-facility-interimdistribution-of-forecast [Acesso em 8 de maio de 2021].

Confira a nota: Nota Técnica n.4 – Vacinação VF