Cuidado de mulheres lésbicas e bissexuais

26 de junho de 2019

A série sobre cuidados médicos da população LGBTI responde perguntas sobre mulheres lésbicas e bissexuais. A fonte é a médica de família e comunidade e membro do GT de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC, Ana Paula Amorim. 

Perguntas sobre lésbicas: 

A recomendação de preventivo para lésbicas não muda?

Rastreamento do câncer de colo de útero em pacientes lésbicas.

Quais as doenças mais prevalentes em lésbicas?

IST em lésbicas: prevalência e prevenção.

Resposta: 

O cuidado de mulheres cisgêneras lésbicas e bissexuais na APS: prevalência de algumas doenças e prevenções específicas

Ao considerar especificidades de gênero ou de orientação sexual, profissionais de saúde tendem a focar atenção nos adoecimentos relacionados às genitálias, às IST ou às práticas sexuais. A heteronormatividade que leva profissionais a esta conclusão gera invisibilização dos principais adoecimentos da população LGBTI, principalmente entre mulheres lésbicas, bissexuais e que fazem sexo com mulheres (MSM).

Uma revisão sistemática de 2016 encontrou evidências limitadas sobre a diferença das condições ginecológicas destas mulheres em comparação com mulheres heterossexuais, embora estudos isolados tenham demonstrado maior incidência de SOP e menor ocorrência de dor pélvica crônica. Enquanto um estudo encontrou menor número de carcinoma in situ, outros demonstraram maiores taxas de câncer cervical e uterino, o que é justificado tanto por negligência profissional com o rastreamento nesta população quanto  pelo medo de violência institucional e pela dificuldade destas mulheres encontrarem um serviço acolhedor que ofereça informações e cuidados adequados à sua realidade. Uma meta-análise focada em endometriose e leiomioma não demonstrou diferença significativa entre mulheres lésbicas/bissexuais e heterossexuais. (1, 2)

Devido à exclusão social, encontramos na população LGBTI maiores índices de sofrimentos emocionais e adoecimentos relacionados à saúde mental, principalmente resultantes do “estresse de minorias” e de violências diversas (familiar, conjugal, laboral, etc.). Mulheres lésbicas,  bissexuais e MSM, que cotidianamente sofrem com o machismo e a misoginia (naturalizados e estruturantes da sociedade), são sujeitas à uma intersecção de violências e preconceitos velados, os quais podem incluir, além de lesbofobia/bifobia, também racismo, elitismo, etarismo, capacitismo, gordofobia e diversas outras formas de discriminação. Como resultado, o cuidado com a saúde global tende a ser menor (com maiores taxas de obesidade, diabetes e doença cardiovascular) e o consumo de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas tende também a ser maior do que na população em geral – um estudo brasileiro demonstrou que entre estas mulheres o consumo de maconha era seis vezes maior, enquanto o de cocaína e de tabaco eram três vezes maior. (3, 4) 

            Um estudo brasileiro realizado em município do interior de São Paulo demonstrou prevalência total de IST de 35%, sendo a mais prevalente a infecção pelo HPV (32,6%) (4)  – motivo pelo qual o papanicolaou deve ser oferecido de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde, embora deva ser considerado o risco quase nulo de infecção por HPV naquelas pessoas que nunca tiveram qualquer tipo de penetração vaginal, assim como precisa-se considerar a adaptação do exame para as mulheres que não toleram espéculos vaginais de tamanho tradicional (2)  . Quase a metade das mulheres incluídas no estudo (48,9%) tinham alterações na microbiota vaginal (36,2% equivalentes a vaginose bacteriana, 8,5% a flora II/intermediária e 4,2% a candidíase). Menos frequentemente, encontrou-se cervicite clamidiana (3,3%), HIV (2,0%), T. vaginalis (1,1%) e Sífilis (1,0%) (4). Estes dados dialogam com um estudo nacional de 2005 (5) e com uma revisão sistemática de 2019 (6), embora a sífilis e a gonorréia sejam apontadas como muito menos frequentes dentro desta população, assim como o HIV (cuja transmissão entre mulheres cisgêneras é considerada rara) (3,6) . Não existem bons estudos sobre a prevalência de Hepatite B entre MSM.6

Condiloma vulvar, herpes e pediculose pubiana (chato) também não são descritos em estudos, mas como não dependem de penetração vaginal para a transmissão podem ser transmitidas por práticas sexuais que envolvam contato de pele com pele ou pele com mucosa, assim como tribadismo (contato entre vulvas) ou manipulação de vulva (7). Portanto antes de recomendar uso de qualquer método de prevenção, cabe a profissionais de saúde oferecer espaço para que a pessoa possa dialogar sobre suas práticas sexuais, sobre suas compreensões de riscos e propostas de auto-cuidado.(2,3)  

A maioria das mulheres lésbicas (97,9%) não utiliza consistentemente métodos de prevenção a ISTs durante suas práticas sexuais por não achar necessário, por confiar na parceria sexual ou mesmo por desconhecer estratégias de prevenção.(5)  

A higiene manual (lavar as mãos e manter unhas curtas e limpas) é um hábito a ser recomendado para pessoas que realizam práticas sexuais que envolvem manipulação com as mãos. Os métodos de barreira viáveis incluem uso de luvas descartáveis, dedeiras ou condom para penetração vaginal/anal realizada por dedos, mão ou objetos (como dildos, vibradores, vegetais, etc.). Em caso de compartilhamento do mesmo objeto, recomenda-se higienizá-lo ou utilizar um outro dispositivo de barreira a fim de evitar o contato de fluído vaginal ou de sangue menstrual entre as parceiras (3). A camisinha vaginal também é um método de barreira viável para estas práticas. Cabe ressaltar que filmes plásticos de uso culinário não são métodos de barreira seguros. Raramente encontram-se em lojas de produtos sexuais ou de produtos médicos algum métodos de barreira específico para a prática de tribadismo ou de sexo oral (como, por exemplo, calcinhas especiais com fundo em látex ou folhas de silicone/látex) (2), porém estes artifícios podem ser substituídos por camisinha cortada ou “rasgada” (retirada do anel da camisinha seguida de abertura desde sua base à ponta) que resulta em uma folha de látex praticamente retangular a ser utilizada no contato com a vulva. Embora viável, estes métodos são muitas vezes desconfortáveis e tendem a ser pouco tolerados durante atos sexuais, motivo pelo qual cabe a profissionais de saúde oferecer espaço de diálogo sobre as vivências individuais (2). 

Referências: 

  1. K Robinson, KY Galloway, S Bewley, C Meads. Lesbian and bisexual women’s gynaecological conditions: a systematic review and exploratory meta-analysis. BJOG An International Journal of Obstetrics and Gynaecology. Published Online 16 November 2016. DOI: 10.1111/1471-0528.14414
  2. Secretaria Municipal de Saúde de Recife. Cartilha de Atenção à Saúde Integral das Lésbicas. Produto do I Seminário em Atenção à Saúde das Lésbicas e Mulheres Bissexuais e a Integralidade com o SUS, realizado em 2015.
  3. DA Knight, D Jarrett. Preventive Health Care for Women  Who Have Sex with Women. American Family Physician. March 1, 2017. Volume 95, Number 5
  4. MAO Ignacio. Prevalência de Infecções Sexualmente Transmissíveis e de Alterações da Microbiota Vaginal e Fatores Associados em Mulheres que Fazem Sexo com Mulheres. Dissertação de Mestrado pela Universidade Estadual Paulista de Medicina “Julio de Mesquita Filho”. Botucatu, 2016.
  5. VM Pinto, MV Tancredi, AT Neto, CM Buchalla. Sexually transmitted disease/HIV risk behavior among women who have sex with women. AIDS. 2005; 19Suppl 4:S64-9.
  6. MLS Takemoto et. al. Prevalence of sexually transmitted infections and bacterial vaginosis among lesbian women: systematic review and recommendations to improve care. Cad. Saúde Pública 2019; 35(3):e00118118
  7. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Diretrizes para a assistência à saúde de lésbicas, mulheres bissexuais e que fazem sexo com outras mulheres. Manual profissional, 2011.