Hoje 19 de Agosto é o Dia de Luta da População em Situação de Rua. Neste dia, no ano de 2004, ocorreu a Chacina da Sé em São Paulo (SP) ,entre os dias 19 e 22, quando 15 pessoas em situação de rua foram brutalmente atacadas enquanto dormiam. Sete delas morreram em decorrência das agressões.
Neste dia, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, por meio do Grupo de Trabalho de Saúde da População em Situação de Rua, instituído no Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade de Manaus- AM reitera a importância da luta por direitos das pessoas em situação de rua, reforçamos a luta por direitos, visibilidade e políticas públicas efetivas para a população em situação de rua no Brasil. Compreendemos que para construirmos a saúde que acreditamos precisamos estar alinhados com o senso de justiça social e ao lado ,de modo incansável, da defesa da democracia.
Para além de um marco de resistência, o dia nos convoca a repensarmos as estruturas sociais que perpetuam a exclusão. A garantia de moradia digna, saúde integral e inclusão social só será possível em um projeto de sociedade que enfrente o racismo estrutural, as desigualdades econômicas e ambientais.
A população em situação de rua no Brasil é majoritariamente negra, reflexo do histórico de racismo estrutural que nega acesso à terra, trabalho digno e educação pública de qualidade. A luta por moradia digna é também a luta por reparação histórica e justiça territorial, com ações afirmativas que priorizem grupos vulnerabilizados. Ignorar o racismo estrutural e desenvolver políticas que não se estruturem em abordagens que combatam o racismo, falham em reduzir iniquidades.
Aproveitamos a data para reforçar:
Direito à moradia
A moradia como direito humano é respaldada pela OMS, que a classifica como determinante fundamental da saúde (WHO, 2018). No Brasil, a Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto 7.053/2009) reconhece essa relação, mas sua implementação esbarra na falta de financiamento e na criminalização da pobreza (Fórum Nacional de Reforma Urbana, 2021).
O SUS, guiado pelos princípios da universalidade e equidade, é fundamental no cuidado à população em situação de rua, mas precisa ser fortalecido, através de uma APS robusta, com ampliação dos Consultórios na Rua, orientado pela redução de danos e abordagens intersetoriais. Saúde não existe sem moradia, sem renda e trabalho digno.
Saúde Mental
O modelo de atenção psicossocial territorial, consagrado na Reforma Psiquiátrica Brasileira (Lei 10.216/2001) e nas diretrizes do SUS, é respaldado por evidências internacionais. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2020) recomenda a integração de serviços de saúde mental na atenção primária, rejeitando modelos asilares.
As Comunidades Terapêuticas (CTs), frequentemente financiadas com recursos públicos, têm sido denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo trabalho análogo à escravidão, tortura e abstinência do uso de álcool e outras drogas forçada (Conselho Federal de Psicologia, 2018). Reportagens como as da Agência Pública (2022) e The Intercept Brasil (2020) expuseram abusos em CTs, evidenciando a necessidade de priorizar modelos de cuidado territorial, laico e baseado em evidências, conforme preconizado pela Reforma Psiquiátrica Brasileira e pela Política Nacional de Saúde Mental. Comemoramos a suspensão do Edital n°8 de 2023, de financiamento para Comunidades Terapêuticas. A publicação feita no dia 06/08/25 pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) é um avanço no fortalecimento para o cuidado territorializado e extingue a principal fonte de financiamento das CT’s.
Crise Climática e Especulação Imobiliária
A crise climática e a especulação imobiliária agravam a vulnerabilidade dessa população – desastres ambientais, enchentes e a falta de áreas verdes acessíveis afetam diretamente quem vive nas ruas. A reforma agrária e o acesso à terra para trabalho são estratégias fundamentais, pois permitem a criação de assentamentos urbanos e rurais que geram autonomia, segurança alimentar e reinserção social.
Compromisso da SBMFC
Destacamos que ao longo deste triênio, a SBMFC esteve implicada em fortalecer as competências, habilidades e atitudes dos nossos residentes em Medicina de Família e Comunidade, bem como profissionais formados, para contextos de extrema vulnerabilidade social, entre eles a situação de rua. Compreendemos que para refletirmos a situação de rua, temos muitos temas transversais que dialogam diretamente com esse cenário e que necessitam ser estudados para que possamos tecer uma análise mais completa e qualificar o cuidado que nós médicas(os)(es) de família e comunidade tecem nos territórios. Reforçamos nosso compromisso amplo e irrestrito com o direito à saúde da População em Situação de Rua.
O Caminho é Coletivo Não há solução individual para problemas estruturais. A luta pela população em situação de rua é pela defesa de um projeto democrático que una:
• Fortalecimento do SUS e da atenção psicossocial territorial, rejeitando modelos asilares e religiosos;
• Moradia primeiro e reforma agrária, com programas de habitação popular e fim dos despejos forçados;
• Enfrentamento ao racismo e à LGBTfobia, que empurram pessoas para as ruas;
• Participação social, incluindo quem vive nas ruas na construção das políticas.
Neste 19 de agosto, reafirmamos: cuidar de quem está na rua é lutar por um Brasil com justiça, onde democracia signifique dignidade para todos.
Grupo de Trabalho de Saúde da População em Situação de Rua