Mitos LGBTIA+: Lésbicas

2 de julho de 2020

Este é o quinto texto de uma série de mitos sobre a saúde da população de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexo, assexuais e demais pessoas com variabilidade de gênero ou de orientação sexual (LGBTIA+).

Os primeiros conteúdos sobre LGBTIA+fobia institucional, pessoas intersexo, pessoas trans e bissexualidade estão disponíveis no link

A atividade produzida pelo Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC desmistifica pensamentos e ideias que são comuns na prática clínica. 

O conteúdo desta página aborda mitos sobre mulheres lésbicas e foi desenvolvido por Renata Carneiro Vieira, médica de família e comunidade, coordenadora do GT e Débora Silva Teixeira, médica de família e comunidade, membro do GT.

 

Mito 1. Lésbicas não precisam fazer preventivo
Resposta: Pesquisas norte-americanas demonstraram que lésbicas fazem menos exames preventivos do que as mulheres hetero e bissexuais e têm uma chance menor de buscar a vacina contra o HPV. Entretanto, há pesquisas que demonstram que a transmissão do HPV pode ocorrer no sexo oral, na masturbação, no uso compartilhado de acessórios sexuais e no contato entre as vulvas. Entretanto, não há dados que apontem o risco isolado de cada uma dessas práticas e supõe-se que as práticas penetrativas apresentam uma ligação maior com câncer de colo de útero. Existe indicação de realização da colpocitologia oncótica, mas com grau de evidência C (opinião de especialistas). Sendo assim, é importante que a decisão sobre a realização ou não do exame seja compartilhada com a mulher, apresentando a ela as melhores informações disponíveis no momento.
Por outro lado, existem evidências de ser benéfico fazer rastreamento de violência por parceira íntima (nível B), depressão (B), uso prejudicial de álcool (B) e tabaco (A).
Referência: Knight, AD et al., Preventive Health Care for Women Who Have Sex With Women. American Family Physician. 2017; 95 (5): 314-321.
Agénor M, Peitzmeier S, Gordon AR, Haneuse S, Potter JE, Austin SB. Sexual Orientation Identity Disparities in Awareness and Initiation of the Human Papillomavirus Vaccine Among U.S. Women and Girls: A National Survey. Ann Intern Med. 2015;163(2):99-106.
Agénor M, Krieger N, Austin SB, Haneuse S, Gottlieb BR. Sexual orientation disparities in Papanicolaou test use among US women: the role of sexual and reproductive health services. Am J Public Health. 2014;104(2):e68-e73.

 

Mito 2. Lésbicas não têm chance de pegar HIV
Reposta: A transmissão de HIV no sexo entre mulheres é rara, mas já foi comprovada. Sua transmissão e de outras IST’s pode acontecer no contato entre vulvas (o tribadismo ou “tesourinha”), manipulação e penetração com dedos e acessórios sexuais e no sexo oral. É essencial que profissionais de saúde informem sobre esse risco e saibam também orientar métodos de barreira de acordo com as práticas sexuais das usuárias. O uso de camisinha feminina ou masculina para práticas de penetração deve ser orientado. As camisinhas masculina ou feminina, cortadas e abertas, ou películas de látex (Dental dam) para tribadismo e sexo oral podem ser utilizados como métodos de barreira adaptados. O plástico filme (PVC) não é efetivo para proteção, pois sua porosidade permite a passagem de vírus e de algumas bactérias.
Referência:  Knight, AD et al., Preventive Health Care for Women Who Have Sex With Women. American Family Physician. 2017; 95 (5): 314-321.
Schroeder J, Caetano M. Laços e Acasos: Mulheres, Desejo e Saúde. Grupo arco-íris. Rio de Janeiro, 2016. http://www.arco-iris.org.br/wp-content/uploads/2010/07/Lacos_e_Acasos_cartilhasaude.pdf
Miguel JJP. Estudo Comparativo das Propriedades Térmicas e Mecânicas do Polipropileno Reforçado com Óxido de Zinco, Carbonato de Cálcio e Talco. Salvador: Faculdade Tecnologia SENAI CIMATEC, 2010. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão e Tecnologia Industrial.

Mito 3. Casais de lésbicas não têm relações abusivas e violentas
Resposta: Ainda existe a crença de que a relações entre lésbicas sejam mais igualitárias, mas as pesquisas já mostraram que a violência conjugal acontece na mesma ou até em maior frequência do que entre heterossexuais, seja ela psicológica, física ou sexual e existem evidências de que é indicado rastrear violência por parceira íntima em consultas (nível B). Na ausência de outros modelos de relações, lésbicas muitas vezes reproduzem as diferenças de poder entre o casal. A ruptura com a família de origem e com amigos que muitas lésbicas vivem ao se assumir faz com que, por um lado elas não tenham uma rede de apoio e, por outro não queiram expor que a relação que foi por eles condenada não deu certo, seja qual for o motivo. A dependência financeira, a possibilidade da parceira expor sua sexualidade em ambientes em que não se sente segura e a vergonha de assumir que é vítima de violência dificultam ainda mais a saída de uma relação abusiva.
Referência: Reuter TR, Newcomb ME, Whitton SW, Mustanski B. Intimate Partner Violence Victimization in LGBT Young Adults: Demographic Differences and Associations with Health Behaviors. Psychol Violence. 2017;7(1):101-109.
Whitton SW, Newcomb ME, Messinger AM, Byck G, Mustanski B. A Longitudinal Study of IPV Victimization Among Sexual Minority Youth. J Interpers Violence. 2016;34(5):912-945. Published 2016 May 3.
Ard KL, Makadon HJ. Addressing intimate partner violence in lesbian, gay, bisexual, and transgender patients. J Gen Intern Med. 2011;26(8):930-933.
Knight, AD et al., Preventive Health Care for Women Who Have Sex With Women. American Family Physician. 2017; 95 (5): 314-321.
Moleiro, C. Pinto, N. Oliveira, JM e Santos, MH. Violência doméstica: boas práticas no apoio a vítimas LGBT: guia de boas práticas para profissionais de estruturas de apoio a vítimas. Comissão Para A Cidadania e a Igualdade De Género, Divisão de Documentação e Informação. Lisboa, 2016.

Mito 4. A mulher lésbica é mais aceita socialmente que o homem gay
A violência contra mulheres lésbicas aparece de formas mais sutis e uma delas é a fetichização. Homens enxergam em casais de mulheres um convite a relações sexuais e por isso não é raro encontrar na mídia imagens com casais de mulheres em poses sensuais, sempre dentro do modelo hegemônico de beleza, com mulheres jovens, brancas e magras. Entretanto, assim que essa participação do homem é negada, a aceitação dá lugar a diversas formas de violência. Além disso, lésbicas sofrem violência principalmente na família de origem, dentro de casa e variam desde o isolamento, com abandono da escola ou trabalho, até o estupro corretivo, definido por Tatiana Santos como “quando um ou mais homens, geralmente da família, estupram uma mulher por acharem que ela é ou parece ser lésbica e que tal prática vai “corrigir” sua orientação afetivo-sexual. Nos assombrosos casos de estupros corretivos em ambientes intrafamiliares e domésticos, incluem-se também aqueles cometidos em congregações religiosas, por líderes e demais fiéis que pretendem “exorcizar” lésbicas ou bissexuais.”
Referência: Santos, TN et al. Percepções de lésbicas e não-lésbicas sobre a possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha em casos de lesbofobia intrafamiliar e doméstica. Revista Bagoas – Estudos gays: gêneros e sexualidades, v.5, n. 11 | 2014 | p. 101-119
Arc, Stephanie (Tradução Marly N. Peres. As Lésbicas – Mitos e Verdades. São Paulo: GLS, 2009.

 

Mito 5. Lésbicas não querem e/ou não podem ser mães
Resposta: Querer ter filhos independe da orientação sexual ou identidade de gênero e há diversas formas pelas quais esse desejo pode se concretizar. Infelizmente, as formas mais seguras de concepção para mulheres lésbicas são muito caras e indisponíveis para a maioria. O SUS oferece poucos serviços que realizam inseminação artificial e fertilização in vitro, e o processo é ainda mais difícil para quem, como as lésbicas, precisam de doação de sêmen, pois não existe um banco público de sêmen no país. Assim, muitas mulheres recorrem à fertilização caseira ou se submetem a relações sexuais com homens para este fim.
Neste sentido, é importante abordar o planejamento reprodutivo com mulheres lésbicas. Indagar a respeito do desejo ou intenção de engravidar pode ser uma oportunidade para orientações pré-concepcionais.
Além disso, perguntar a respeito da trajetória reprodutiva da mulher pode trazer informações sobre gestações anteriores, desejadas ou não, e também para as vivências de maternidade e possíveis filhos. Também é relevante ter em conta que a maternidade de mulheres lésbicas pode envolver a adoção legal ou informal.
As preocupações relativas à maternidade e concepção em mulheres lésbicas pode ser marcada pelas dificuldades mencionadas anteriormente e também pela rede social de apoio escassa, pelo preconceito que sabem que vão sofrer ou por medo do que passarão seus filhos e os profissionais de saúde podem ter um papel relevante no suporte neste ciclo de vida.
Referências:
1- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Atenção Integral à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Relatório da Oficina Atenção à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Brasília, Ministério da Saúde 2014.
2-Brasil.Ministério da Saúde. Mulheres Lésbicas e Bissexuais Direitos, Saúde e Participação Social. Brasília, Ministério da Saúde 2013.
3- Wojnar, D. M., Katzenmeyer, A. Experiences of Preconception, Pregnancy, and New Motherhood for Lesbian Nonbiological Mothers. JOGNN, 43, 50-60; 2014. DOI: 10.1111/1552-6909.12270

Mito 6. Uma mulher é lésbica porque se frustrou com homens, porque não consegue homem, ou porque foi vítima de abuso sexual
Há muitos anos se tenta descobrir a origem das orientações não heterossexuais, que já foi atribuída a alterações genéticas, anatômicas, hormonais ou a traumas e influências de outras pessoas LGBTIA+. Nenhuma dessas hipóteses nunca foi comprovada e hoje consideramos que a orientação sexual e a identidade de gênero são construções sociais e não podem ser atribuídas a uma única causa, assim como não há formas de “revertê-la” ou “corrigi-las”. Também não é uma opção, uma escolha que pode ser mudada.
Muitas mulheres lésbicas já se relacionaram com homens, por desejo, que não é algo fixo ao longo da vida, ou por pressão social. Várias têm filhxs, seja de relacionamentos heterossexuais anteriores, seja por terem usado métodos de reprodução assistida. Portanto, nunca podemos pressupor ou tentar adivinhar orientações sexuais e identidades de gênero.
Gagnon J. Epílogo: Revisitando a conduta sexual (1998). In:__. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
Arc, Stephanie (Tradução Marly N. Peres. As Lésbicas – Mitos e Verdades. São Paulo: GLS, 2009.

Mito 7. Dá para saber se uma mulher é lésbica só de olhar
Resposta: Lésbicas se identificam como mulheres (independente do sexo biológico) que se relacionam afetivo e sexualmente com outras mulheres, independente de como decidem se vestir, cortar o cabelo, trabalhar ou se divertir. As práticas sexuais também não têm ligação com a expressão de gênero ou formas de se relacionar – não é por ser mais masculinizada que uma lésbica não vai gostar de ser penetrada, ou por ser feminizada ela vai ter se relacionado com homens em outros momentos da vida. Também não está ligada a essa diferença a possibilidade de contrair uma IST ou ter câncer de colo de útero.
Existem mulheres que se identificam e se expressam da forma que é, hoje, considerada feminina, existem mulheres que preferem os padrões que a sociedade classifica como masculinas. E existem orientação sexual e identidade de gênero e todos esses fatores são independentes.
Referência: Araújo, Luciane Marques de; Penna, Lucia Helena Garcia; Carinhanha, Joana Iabrudi; Costa, Cristiane Maria Amorim. O cuidado às mulheres lésbicas no campo da saúde sexual e reprodutiva. Rev. Enf. UERJ, 2019.