Nota Pública: Propostas da SBMFC para a expansão, fortalecimento, valorização e qualificação da Medicina de Família e Comunidade e da atenção primária à saúde no Brasil

6 de julho de 2023

A Diretoria da SBMFC apresentou  ao Ministério da Saúde ao longo do mês de junho de 2023 as seguintes propostas para expansão, fortalecimento, valorização e qualificação da Medicina de Família e Comunidade e da Atenção Primária à Saúde no Brasil.

Com a interrupção das políticas de qualificação e expansão da ESF, e com a deterioração das condições de trabalho da APS no decorrer da última gestão presidencial, avalia-se que houve um retrocesso no ciclo virtuoso que vinha sendo alcançado anteriormente.

Considerando a situação atual e a necessidade de recuperar e expandir a qualificação da APS e da MFC,  a diretoria da  SBMFC apresenta os seguintes objetivos e as seguintes propostas:

Estimamos que, minimamente, há a necessidade de mais 50.000 (cinquenta mil) MFC para o cuidado em saúde à população brasileira. Avaliamos que este quantitativo pode ser alcançado através políticas de indução de curto, médio e longo prazo, estáveis e longitudinais, de caráter federal, com articulação entre as secretarias estaduais e municipais de saúde e com instituições formadoras, através de um trabalho cooperativo e não competitivo.

Propostas de qualificação da APS no nível municipal e sua relação com as políticas de provimento e os PRMFC

Os Programas de Residência em MFC – PRMFC, pelas suas características de desenvolvimento, têm a capacidade de promover processos de mudança mais profundos, seja nos locais onde os residentes desenvolvem suas atividades práticas, seja na instituição onde estão inseridos. Ou seja, a existência de bons PRMFC pode afetar positivamente a mudança das práticas no nível da APS nos municípios de uma forma mais consistente e duradoura, porque, ao mesmo tempo, disponibiliza um cuidado em saúde adequado no tempo presente e no curto/médio prazo pode ampliar a oferta de bons profissionais no município em questão.

Neste sentido, os projetos de interiorização dos PRMFC devem ser considerados estratégicos. Entretanto, sabemos que  a grande maioria dos municípios brasileiros não tem condições nem infraestrutura local para desenvolver seus próprios programas, seja porque não têm políticas de recursos humanos que possam garantir atratividade para os profissionais titulados em MFC, seja porque não dispõe de recursos para o pagamento de bolsa adicional àquela praticada pelo MEC e MS. Ou ainda, tão importante quanto, porque ainda não valorizam a MFC ou a própria APS no seu município.

Por outro lado, as políticas de provimento que são atrativas para o município, podem não induzir processos de mudança mais qualificados das práticas da APS no município, seja pela própria função dos programas no que tange à sua provisoriedade.

Como fazer, então?

A proposta é estabelecer uma política de interiorização dos PRMFC que possa se articular com as políticas de provimento e fixação.

De que forma?

  1. Indução federal, com apoio institucional e financeiro, para conformar processos colaborativos e interativos que podem provocar mudanças mais duradouras nas políticas de formação, provimento e fixação de MFCs: MM atuando de forma integrada com PRMFC; PRMFC descentralizados e no interior dos estados mediados com suporte das SES e apoio financeiro do MS.
  2. A primeira ação necessária seria o mapeamento dos programas de residência médica em MFC que estão ativos, vis a vis o mapeamento dos locais dos MM e MpB e Tutoria, e de MFC formados e/ou titulados. O objetivo é promover atuação colaborativa entre os PRMFC e os locais onde têm MM ou MpB de forma que os PMFC possam constituir locus de treinamento para os MM e os MPB,  e vice-versa. Neste caso, uma situação adequada seria identificar os MFC titulados que estão como tutores de forma que possam somar e/ou se transformarem em preceptores de PRMFC visando sua ampliação e/ou apoio à tutoria do MM/MPB com objetivo de analisar e promover que os PRMFC possam ser apoio ao desenvolvimento do PMM e MpB;
  3. Estabelecer critérios para avaliação de municípios elegíveis para a possibilidade de interiorização dos PRMFC, considerando, por exemplo, infra estrutura físico funcional adequada de unidades de saúde, existência de MFC titulados, disponibilidade de exames complementares ao diagnóstico e preferencialmente equipes de NASF, boa cobertura da ESF.
  4. Inicialmente dar preferência aos municípios que se encontrem a menos de 100 km de PRMFCs, com expertise e estabelecidos previamente, de modo a permitir e facilitar os intercâmbios.
  5. Levantar e credenciar PRMFC interessados em estabelecer parcerias com os municípios, preferencialmente através das SES, com apoio do MS, em uma perspectiva loco-regional.
  6. Equiparar bolsas dos programas de provimento (MM e MPB) e bolsas de residência em MFC;
  7. Construir um BAREMA para valorização dos MFC já titulados dentro do programa(para entrada e para supervisão, tutoria),bem como valorização de IES públicas que possuam residência de MFC nos processos de supervisão e especialização;
  8. Tutoria e supervisão do Mais Médicos com prioridade para MFCs titulados e/ou residência;
  9. Tutoria da especialização do Mais Médicos também com prioridade para MFCs;
  10. Possibilitar que participantes dos programas de provimento (MM e MPB) que já possuam titulação em MFC possam exercer preceptoria de graduação e residência médica, conforme Resolução CNRM n°16/2022. Desta forma se amplia de forma descentralizada vagas de Residência em MFC e para o Internato em APS.
  11. Financiamento de bolsas para preceptoria dos Programas de RMFC que forneçam apoio pedagógico descentralizado para os programas de provimento MM e MPB.
  12. Desenvolver e implementar anos opcionais/área de atuação que respondam às necessidades locais de saúde e de matriciamento para provimento ou estratégia formação articulada, estimulando-se os anos opcionais interprofissionais (articulação residência médica e de área profissional/multiprofissional);
  13. Estabelecer linhas de pesquisa e financiamento junto a CAPES/CNPq para pesquisas de Pós-graduação lato sensu ( 2 anos iniciais do MM) e pós Stricto Sensu ( 2 anos finais do MM);
  14. Articular os PRMFC com a graduação em medicina, através de estágios planejados com objetivos e metas, em especial no caso dos Cursos criados a partir do Mais Médicos.
  15. Articular PRMFC e MM com programas de Mestrado profissional.
  16. Desenvolver Doutorado Profissional em Saúde da Família para supervisores e tutores do Mais Médicos que já sejam mestres, também a mesma oferta para preceptores e supervisores dos Programas de Residência em MFC que já sejam mestres. Desta forma se amplia o quantitativo de Doutores na área da Saúde da Família/APS necessários para orientação da segunda oferta pedagógica do Mais Médicos que é a oferta do Mestrado Profissional.
  17. Oferta regular de Cursos de Formação de Preceptores para Residência em MFC e Internato em APS com bolsas para atuação na função, renováveis a cada 2 anos.
  18. Mapeamento no CNES dos médicos que atuam na ESF há mais de 4 anos. Estabelecimento de parceria entre MS, CONASEMS e SBMFC para oferta de Cursos de Atualização em MFC e em Preceptoria para estes médicos, seguido da oferta de Prova de Título. Os médicos que tiverem aprovação na Prova de Título poderão compor equipe descentralizada em cada estado de preceptores para programas de Residência em MFC e Internato em APS e/ou supervisores do MM.
  19. Elaboração de uma nota técnica de apoio aos municípios orientando as possibilidades para o acesso ao recurso previsto na portaria 3510 de 2019, e o cadastro de residentes no CNES (nota técnica 367/2016 DEPREPS), bem como aumento do incentivo a municípios e estados com residências em APS;
  20. Investir na valorização e fixação de MFC no SUS, através de políticas de carreira na APS promovidas pelo MS e/ou através de conformações loco-regionais, intermediadas pelas SES, com apoio do MS.

Propostas relacionadas ao Modelo de APS no SUS

  1. Qualificar, expandir e fortalecer a Estratégia Saúde da Família, as Equipes de Saúde Bucal e os Núcleos Ampliados de Saúde da Família, que constituem, em seu conjunto, um modelo altamente resolutivo de APS, pautado no acompanhamento longitudinal de uma população adscrita a um território, na abordagem centrada na pessoa, nas famílias e nas comunidades, com competência cultural, facilidade de acesso, integralidade das ações com ofertas interativas de promoção, educaçao, prevenção recuperação e reabilitação em saúde.
  2. Redimensionar o tamanho da população adscrita, considerando critérios de vulnerabilidade, considerando um máximo de 2500 pessoas por eSF em locais de alta vulnerabilidade e um máximo de 3500 em condições mais favoráveis.
  3. Estabelecer indicadores de saúde, com vista à avaliação, acompanhamento e qualificação da APS, compatíveis com o rol de ações de promoção, educação, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde desenvolvidas na ESF, nas ESF e dos NASF/eMulti. O PREVINE Brasil, além de não refletir estes processos, promove alterações no processo de trabalho das equipes que não necessariamente estão associadas a um incremento da qualidade do cuidado em saúde.

Propostas relacionadas à Gestão da APS

  1. Promover políticas diferenciadas de indução técnica-financeira para municípios que desenvolvam a ESF/SB/NASF/eMulti, visando sua qualificação e aumento de cobertura
  2. Apoiar os municípios através ação conjunta com as SES no processo de gestão municipal da APS, incluindo parâmetros para dimensionamento de equipes de gestão da APS, bem como outras de suporte (como manutenção predial, processos de compra, rede internet, entre outras), com estabelecimento das funções que previstas em cada uma destas situações.
  3. Estabelecimento de Secretarias de APS no cronograma das SES;
  4. Estabelecimento/Qualificação das equipes de apoio técnico vinculadas às secretarias de APS/SES para acompanhamento e apoio processual aos municípios;
  5. Monitoramento periódico dos problemas centrais em relação à evolução da ESF/SB/NASF/eMulti.
  6. Retorno ao estímulo à celebração de Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Serviço – COAPES;
  7. Políticas de apoio financeiro visando a melhoria de infra-estrutura das unidades e da oferta e capacidade resolutiva da APS
  8. Incluir como, informação obrigatória no CNES, a especialidade médica;
  9. Incluir como informação obrigatória no CNES, o tipo de vinculo/situação trabalhista dos médicos na APS.
  10. Realizar novo censo das unidades básicas de saúde, buscando melhor embasar a formulação de políticas específicas para ampliação do acesso e da qualidade da APS. Neste sentido, retomar política similar ao PMAQ seria uma estratégia importante.

 

Rio de Janeiro, 06 de julho de 2023

Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC