Posicionamento sobre a prorrogação do uso do Paraquat

22 de outubro de 2020

No último dia 07 de outubro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) – atendendo a pressões de setores do agronegócio brasileiro¹ junto ao Ministério da Agricultura e aos parlamentares ligados à Agropecuária – prorrogou o uso do Paraquat, agrotóxico que faz mal à saúde da população.

A proibição do uso e comercialização do herbicida Paraquate havia sido definida pela ANVISA em 2017 e deveria entrar em vigor em 3 anos, ou seja, em 2020. Vale destacar que o uso do Paraquat é proibido nos 27 paises que compõem a União Europeia, inclusive na Inglaterra, onde é produzido. A China, considerada a maior produtora do mundo do herbicida, também baniu seu uso em solo chinês, mas continua produzindo para exportação.

No Brasil, apesar de ser tóxico para os seres humanos por ingestão, inalação e contato com a pele, o paraquat é muito utilizado para eliminação de “ervas daninhas” nas plantações de soja. Dados epidemiológicos sugerem que o Paraquat provoca mutações genéticas e câncer.²

Estudos mostram que o uso do produto está associado a um aumento da incidência de câncer e da doença de Parkinson em agricultores³. A longo prazo, além dos trabalhadores do campo, estes efeitos podem afetar também as pessoas que moram em áreas próximas da área de pulverização.

O Paraquat também pode provocar intoxicação aguda, inclusive, pode levar à morte, no caso de ingestão, mesmo em pequenas quantidades.4

No Brasil, infelizmente, não é a primeira vez que a pressão pelo aumento dos lucros do agronegócio prevalece sobre as medidas de proteção à Saúde. A liberação de uso de agrotóxicos, se tornou uma rotina nos últimos dois anos e teve um recorde histórico em 2019. Conforme dados oficiais do Ministério da Agricultura, de janeiro de 2019 a junho de 2020 foram autorizados 674 agrotóxicos para uso no Brasil, sendo que a ANVISA sinalizou que destes 429 (64%) são tóxicos para os seres humanos, e 165 (24%) são altamente ou extremamente tóxicos.

O uso crescente dos agrotóxicos afeta importantemente a saúde da população e do meio ambiente. As doenças relacionadas ao uso de agrotóxicos são de grande impacto na vida das pessoas, como é o caso das doenças neurológicas, o aumento da incidência de depressão, o suicídio e diversos tipos de cânceres.5

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo em números absolutos. São, em média, produzidos 7,6 litros por pessoa a cada ano. O uso do agrotóxico pode ser reduzido significativamente com o uso de técnicas de agricultura que respeitem a época correta do plantio, com o preparo e a adubação correta do solo, e o manejo integrado de pragas.

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade reafirma seu compromisso com a defesa da vida e da saúde da nossa população. Desta forma nos posicionamos contrários a esta última medida da ANVISA publicada no dia 07 de outubro de 2020 de prorrogação do uso do Paraquate, bem como também nos colocamos contrários à liberação do uso no Brasil de agrotóxicos que causam danos à saúde e que já foram proibidos pela União Europeia.

Referências:

1 – https://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/paraquat-anvisa-estoques-safra2020-2021/

2 – Tajai P, Fedeles BI, Suriyo T, et al. An engineered cell line lacking OGG1 and MUTYH glycosylases implicates the accumulation of genomic 8-oxoguanine as the basis for paraquat mutagenicity. Free Radic Biol Med, 116:64-72, 2018.

3 – Andreotti G, Freeman LEB, Shearer JJ, Lerro CC, Koutros S, Parks CG, Blair A, Lynch CF, Lubin JH, Sandler DP, Hofmann JN. Occupational Pesticide Use and Risk of Renal Cell Carcinoma in the Agricultural Health Study. Enviornmental Health Perspectives, V. 128, n. 6, 2020

4 – Kim H et al. Toxicokinetics of paraquat in Korean patients with acute poisoning. Korean J Physiol Pharmacol, 20(1): 35–39, 2016

5 – Carneiro, Fernando Ferreira (Org.) Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. – Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.