SBMFC entrevista Érika Lara: vamos falar sobre Cuidados Paliativos?

11 de janeiro de 2019

*Érika Lara é médica de família e comunidade, coordenadora do Grupo de Trabalho de Cuidados Paliativos da SBMFC e secretária da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos). 

SBMFC: O que são cuidados paliativos?

Érika: Em Dezembro de 2018, a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) divulgou a nova definição para Cuidados Paliativos partindo de um projeto da International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC) que visou revisar e encontrar um consenso oportuno e aplicável a todos os pacientes, independentemente do diagnóstico, prognóstico, localização geográfica, etapa do cuidado ou nível de renda. 

Em tradução livre para o português, Cuidado Paliativo é um cuidado holístico ativo voltado ao indivíduo com sério sofrimento atrelado a uma condição de saúde grave, em qualquer fase do ciclo de vida, especialmente próximo na fase final de vida. Ele visa melhor qualidade de vida para o paciente, seus familiares e cuidadores.

(Palliative care is the active holistic care of individuals across all ages with serious health-related suffering due to severe illness, and especially of those near the end of life. It aims to improve the quality of life of patients, their families and their caregivers.) 

SBMFC: Para quais pacientes os Cuidados Paliativos se enquadram? 

Érika: É elegível a Cuidados Paliativos toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, sendo enquadrada a partir do diagnóstico desta condição, visando prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.

SBMFC: Em quais ambientes são aplicados? (atendimento hospitalar e domiciliar) 

Érika: Os cuidados paliativos devem ser oferecidos em qualquer ponto da rede de atenção à saúde: Atenção Primária a Saúde, Atenção Domiciliar, Atenção Ambulatorial (Especialidades Médicas como Cardiologia, Pneumologia, Oncologia, entre outras), Atenção Ambulatorial Especializada em Cuidados Paliativos, Serviços de Urgência e Emergência e Atenção Hospitalar.

SBMFC: Quais especialistas estão habilitados a atuarem em Cuidados Paliativos? 

Érika: A Associação Médica Brasileira (AMB) permite exame de suficiência para obtenção do Certificado de Área de Atuação em Medicina Paliativa os médicos vinculados a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), a Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP).

Mas vale ressaltar que a Abordagem Paliativa é um dever do médico, independentemente de sua especialidade, como descrito no Código de Ética Médica, Capítulo V – Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

SBMFC: Os pacientes têm acompanhamento psicológico, assim como os familiares? 

Érika: Muitos acreditam que a abordagem da experiência com doença, medos e angustias é um tema tratado apenas pelo psicólogo. Os cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, dentro da qual o acompanhamento psicológico está incluído, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares através de atuação inter ou muitas vezes transdisciplinar.

SBMFC: Como é para um médico conviver dia a dia com pacientes em estado grave e poder proporcioná-los conforto, procedimentos menos invasivos e minimizar a dor, dentro do possível? 

Érika: É gratificante! Estar frente a frente com a terminalidade permite ao profissional de saúde enxergar através da doença, compreender e aplicar o real conceito do cuidado centrado na pessoa. Paralelamente é um exercício de desconstrução da medicina (ou seria do cuidado?) fria e excessivamente tecnológica que encara a morte como um evento médico ao invés de um processo natural da vida e se perde em meio ao processo “condenando” as pessoas à vida sob um preço muito alto: a perda da autonomia do paciente e uma péssima qualidade de morte.

SBMFC: O que falta para que se torne Política Pública dentro da Estratégia da Saúde da Família?

Érika: No final de 2018 foi dado um grande passo na história dos Cuidados Paliativos do Brasil com a aprovação, na 8ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), da  RESOLUÇÃO Nº 41, DE 31 DE OUTUBRO DE 2018, que dispõe sobre as“Diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde(SUS). 

No documento é possível perceber o reconhecimento da importância da APS nos Cuidados Paliativos e obviamente a Estratégia de Saúde da Família está composta neste contexto. Os próximos passos serão a elaboração de portarias e diretrizes que tratarão do detalhamento para a aplicabilidade dos cuidados paliativos em toda rede de atenção à saúde.

SBMFC: Por que esse tipo de cuidado é pouco discutido e aplicado no Brasil? O que dificulta a expansão? 

Érika: Embora Cuidados Paliativos não se destinem exclusivamente a pessoas que estejam morrendo, é o tabu da morte que ainda se impõem como o grande desafio para que este assunto seja amplamente discutido. Lida-se com a morte como algo a ser evitado e combatido. A formação médica introjeta nos profissionais a ideia de que foram destinados a salvar vidas e quando isto não é possível, o médico sente-se fracassado e sem habilidades para lidar com a impotência.

Para transformar este cenário é preciso investir na graduação médica, incluir Cuidados Paliativos na grade curricular oficial dos cursos de medicina e oferecer os campos de prática, ou seja, permitir o desenvolvimento de competências em Cuidados Paliativos a todo médico em formação.

SBMFC: Como abordar os pacientes e familiares sobre a necessidade desse tipo de cuidado? Como é a aceitação? 

Érika: Há uma parcela de pacientes e familiares que reluta quando é abordada sobre Cuidados Paliativos. É preciso entender que este comportamento é uma demonstração de medo e insegurança alimentados pelo modelo exercido por uma medicina focada na doença. Superar este comportamento exige formação técnica apropriada para controlar os sintomas que afligem os indivíduos, ter habilidades em comunicação para saber comunicar uma má notícia, atitudes de acolhimento dos medos e ansiedades também dos familiares, enfim, é desenvolver competências para cuidar das pessoas além da “vida biológica”, é cuidar de biografias. Quando isso acontece, a aceitação deste tipo de cuidado é total!

SBMFC: Os cuidados paliativos na saúde suplementar estão bem estabelecidos? 

Érika: Ainda não, embora estejam em franco crescimento.

Sabe-se que o envelhecimento populacional e o aumento da expectativa de vida têm promovido uma maior exposição às doenças crônicas. Tal situação coloca em risco a gestão financeira das operadoras que estão em busca de redução de custos associados a assistência de qualidade.  Cuidados Paliativos possibilitam essa assistência. O grande desafio não só da saúde suplementar como da saúde pública, é oferecer este serviço em rede, na forma de cuidados integrados e continuados.

SBMFC: Todas as especialidades médicas têm consciência da importância? 

Érika: É difícil afirmar isso, mas se não têm, deveriam ter. A abordagem paliativista não deve ser domínio específico de nenhuma especialidade médica, mas sim a boa prática médica por essência, associada a técnica e compaixão.

SBMFC: Tratamento humanizado e olhar voltado para o paciente e não para a doença são bem estabelecidos na Medicina de Família. Essas vertentes fazem diferença para o MFC paliativista? 

Érika: Essas vertentes só reforçam a convergência entre os princípios da MFC e dos CP, são ideologias que se sobrepõe.  O MFC compreende a atuação em CP de forma mais natural, lidar com os ciclos de vida possibilita esta compreensão. É uma espécie de “sentir-se em casa” no que se faz, é ter e fazer sentido na vida do paciente, da família e da comunidade.

SBMFC: Gostaria de indicar algum estudo/artigo aos interessados no assunto? 

IAHPC. Global Consensus based palliative care definition. (2018). Houston, TX: The International Association for Hospice and Palliative Care. 

Retrieved from https://hospicecare.com/what-we-do/projects/consensus-based-definition-of-palliative-care/definition/

Resolução 41 http://www.in.gov.br/web/guest/materia//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/51520746/do1-2018-11-23-resolucao-n-41-de-31-de-outubro-de-2018-51520710

SBMFC: Gostaria de acrescentar mais informações? 

Érika: Como secretária da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos) e coordenadora do GT de CP da SBMF, posso afirmar que essas duas importantes entidades possuem papel fundamental no desenvolvimento dos Cuidados Paliativos no Brasil e estão muito empenhadas em fortalecer este cuidado na APS em prol de todos aqueles que dele necessitam.

Para saber mais sobre o GT e como participar, acesse a página: https://www.sbmfc.org.br/gt-de-cuidados-paliativos/.