SBMFC entrevista Milena Seoane: vamos falar sobre acesso na APS?

6 de abril de 2018

 

Milena Seoane é coordenadora do GT de Acesso da SBMFC, preceptora da residência de MFC do HCFMRP-USP, membro da Câmara Técnica de MFC do CREMESP, Diretora do Núcleo Regional de MFC de Ribeirão Preto e mestranda em Saúde Pública no HCFMRP-USP. 

 

SBMFC: O acesso é um dos principais conceitos da APS e, consequentemente, da Medicina de Família. Por que é tão importante? 

Milena: O acesso é tão importante porque cria a possibilidade da existência de todos os atributos essenciais (primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação) e derivados (orientação familiar e comunitária, competência cultural) da atenção primária, descritos por Barbara Starfield, médica pediatra, mestre em Saúde Pública, que estudou profundamente o tema. Além disso, desde 1988, temos no artigo 196 da Constituição Federal, a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.  A Medicina de Família e Comunidade pode contribuir com a melhoria do acesso porque utiliza instrumentos como as visitas domiciliares e os grupos, tem controle efetivo de seu território sanitário possibilitando ajustes no processo de trabalho, direcionados a necessidade da população adscrita.

 

SBMFC: Quais são os benefícios para a relação médico-paciente? 

Milena: O acesso é um reflexo do processo de trabalho das equipes. Ofertando cuidados quando são necessários e tendo conhecimento prévio da história clínica e de suas relações com familiares e com o território, há um fortalecimento não só da relação médico-paciente, como do paciente com a equipe de saúde. O objetivo principal é fornecer suporte quando os agravos em saúde aparecerem ou no seu seguimento ao longo do tempo. Sendo assim, a relação de confiança entre usuário e profissional fica consolidada de uma maneira mais efetiva.

 

SBMFC: Como é o acesso hoje no Brasil? Existe algum modelo ideal a ser seguido? 

Milena: O acesso em nosso país é oferecido de diversas maneiras, sofrendo influências de questões territoriais, culturais e de gestão. O modelo ideal é aquele que consegue conciliar a oferta com a demanda/necessidades de serviços de saúde para população adscrita de um determinado território. Preferencialmente, a porta de entrada do sistema de saúde deve ser a Atenção Primária, independente do modelo escolhido pela gestão, por haver o entendimento que os seus atributos são ferramentas que qualificam o cuidado oferecido.

 

SBMFC: Quais diferenças entre o acesso no SUS e na saúde suplementar? 

Milena: A última Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), publicada no Diário Oficial da União no dia 22 de setembro de 2017, orienta que o acesso universal deve ser assegurado, equânime e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS, além do que venha a ser pactuado pelas Comissões Intergestores. Na Saúde Suplementar, faz-se necessária a adesão do usuário a um determinado plano/seguro ofertados, sendo portanto um acesso diferenciado do universal, preconizado pelo SUS. Outro ponto importante é a ausência de base territorial para o desenvolvimento de ações e serviços, o seguimento é pautado em função de doenças/agravos, prejudicando a longitudinalidade e integralidade do cuidado.

 

SBMFC: Existem indicadores que apontam melhora na qualidade de vida da população pelo acesso? 

Milena: A diminuição das taxas de morbi-mortalidade em crianças menores de 1 ano, gestantes e portadores de doenças crônicas. Além da queda da taxa de internações por condições sensíveis na Atenção Básica são alguns dos indicadores de melhora do cuidado quando a população tem acesso adequado aos serviços de saúde.

 

SBMFC: O acesso avançado pode ser aplicado na Estratégia da Saúde da Família? 

Milena: Pode sim. Entretanto, devemos ter o cuidado de analisar as características do território, qual a carteira de serviços oferecidos pela unidade, se há possibilidade de capacitação da equipe, se existe apoio da gestão para esse novo projeto, qual a demanda reprimida e se há um canal de comunicação com os usuários para que haja uma avaliação de todo o processo. Ou seja, uma construção conjunta entre trabalhadores, usuários e responsáveis pela gestão do que é mais adequado para cada comunidade em função do conhecimento das características territoriais, epidemiológicas e organizacionais.

 

SBMFC: Gostaria de indicar estudos e materiais complementares? 

Milena: Temos fontes excelentes que discutem vários aspectos da Atenção Primária, inclusive o acesso como “Atenção Primária – Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia” de Barbara Starfield, “Novas possibilidades de organizar o Acesso e a Agenda na Atenção Primária à Saúde no SUS de Curitiba” e "Atenção primária à saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários" da Professora Lígia Giovanella, que tem trabalhos interessantes sobre acesso. Atualmente, temos na literatura científica brasileira vários trabalhos sobre o tema, com propostas organizacionais diversas.

 

Qual o objetivo do Grupo de Trabalho de Acesso da SBMFC? 

Milena: O objetivo do grupo é aprofundar os estudos direcionados ao tema Acesso, discutir novas perspectivas, explorar osfatores que dificultam e que facilitam a entrada no sistema de saúde das populações, disseminar esse conhecimento entre profissionais da área da saúde e usuários. 

 

SBMFC: Quais as ações programadas para 2018? 

Milena: ao longo do ano foram programados encontros em ambiente virtual, estudos e discussões dos temas, apoio e expansão de cursos que capacitam profissionais a melhoria do acesso.  

 

SBMFC: Como os interessados podem participar do GT? 

Milena: é só enviar um email para gtacessosbmfc@gmail.com solicitando a inclusão no grupo.