Sem preceptoria, sem residência

10 de novembro de 2015

Especialistas e gestores reforçam a importância e a necessidade de mais preceptores nas residências em MFC

Por Danielle Menezes

Em meio a tantas discussões políticas e partidárias em que o Brasil se encontra, em um ponto todos concordam: é necessário expandir a residência em MFC. Desde pequenos postos de saúde localizados no interior do Brasil até grandes hospitais com alto fluxo de pacientes necessitam de médicos que ofereçam serviços básicos de saúde ao paciente. Não há mercado de trabalho que cresça tanto na medicina quanto a atenção primária à saúde (APS). Hoje, a APS tem mais de 30 mil médicos devidamente cadastrados, porém, esse número não é suficiente para atender a toda a população brasileira.

O cenário

De acordo com o diretor de Residência e Pós-Graduação Lato Sensu da SBMFC, Nilson Massakazu Ando, a política de saúde brasileira tem dado ênfase ao crescimento e fortalecimento da atenção primária à saúde, daí a necessidade de formar especialistas em MFC. “A proposta da SBMFC é que 40% dos especialistas formados no Brasil sejam residentes em medicina de família e comunidade, à semelhança do que já ocorre nos países onde a atenção primária é forte.”

Para o secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), prof. Francisco Jorge Arsego, houve um aumento significativo de residentes em MFC nos últimos anos, mas o índice ainda é baixo. No gráfico, , em azul, o número de vagas de residência em MFC oferecidas em todo o Brasil e, em laranja, uma estimativa da ocupação dessas vagas:

“Estamos usando medidas indutoras para aumentar esse percentual. O pagamento de uma bolsa adicional para a formação de preceptores durante a residência a partir de 2016 é um exemplo disso”, afirma o professor.

A bolsa adicional que o especialista cita é um novo impulso do Ministério da Saúde. A partir do ano que vem, até 2018, os médicos que iniciarem a residência em MFC poderão participar do curso de preceptoria e ainda receberão uma bolsa mensal no valor de R$ 2.500. A medida, que faz parte do Plano Nacional de Formação de Preceptores, é vinculada ao Programa Mais Médicos e tem como objetivo garantir a formação de preceptores para atender à expansão de vagas de residência prevista pelo Programa.

O secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde, Hêider Pinto, enfatiza a importância da ação para a formação de especialistas. “O Programa Mais Médicos vai abrir, até 2018, 12,4 mil vagas de residência médica em medicina de família e comunidade. Para garantirmos essa expansão, precisamos formar médicos preceptores, pois não existe residência sem preceptoria. O curso dará um grande impulso nesse sentido”, explica. Com a criação de mais três mil bolsas de residência médica, que foram anunciadas no início de agosto, sendo duas mil financiadas pelo Ministério da Saúde (MS) e mil pelo Ministério da Educação (MEC), a quantidade de vagas chegará a 7.472 (62% da meta).

Além disso, há um trabalho do MEC, de forma integrada com o Ministério da Saúde, para expandir a residência em medicina de família e comunidade. “A Lei 12.871 (Mais Médicos) estabelece de forma clara que o SUS tem um papel ordenador na formação em saúde. Assim, a Lei permite a utilização de mecanismos indutores para a expansão. O pagamento diferenciado de bolsas e de bolsas para formação de preceptores na área são exemplos de ações desenvolvidas e que ajudam bastante nesse processo de expansão. Deve ser lembrado sempre que a qualidade não depende exclusivamente do MEC ou MS: é uma responsabilidade de todos, a começar pelas instituições ofertantes”, esclarece o secretário-executivo da CNRM.

Segundo dados da Agência Saúde, as regiões norte, nordeste e centro-oeste terão prioridade nas novas bolsas, para corrigir seu déficit de profissionais. Das novas vagas, 75% são para ampliar a formação de médicos especialistas em medicina geral de família e comunidade. A ampliação das oportunidades para formação de médicos de família também cumpre a legislação do Programa, que transformou a especialização nessa área em pré-requisito para a formação em outras especialidades.

Hoje, a SBMFC apoia Ligas Acadêmicas de Medicina de Família dentro das universidades para incentivar os alunos a fazerem residência na especialidade, além de respaldar as atividades de novos médicos de família. “Também realizamos anualmente o Fórum de Residentes de MFC, para discutir a qualificação do processo de formação nos serviços de residência”, afirma Dr. Ando.

A importância da preceptoria

A preceptoria é praticamente indispensável na residência médica. É por meio dela que os residentes têm a melhor formação em MFC. Para o diretor de Residência e Pós-Graduação Lato Sensu da SBMFC, os preceptores são essenciais para expandir o número de residentes em MFC. “Um bom serviço de residência só funciona se tiver bons preceptores, sendo estes as peças-chaves para o processo de expansão da residência em medicina de família e comunidade nos próximos anos. Não teremos como expandir as vagas de residência médica se não tivermos preceptores para acompanhar os futuros residentes.” Para que haja cada vez mais preceptores, a SBMFC oferece um curso com qualificação para preceptores no Brasil, visando ao processo de expansão dos serviços de residência médica no País.

Para o prof. Arsego, os preceptores são fundamentais na formação dos residentes em qualquer área. “São eles que ajudam a ’moldar’ os novos especialistas de acordo com os mais altos padrões educacionais, é por isso que há uma grande preocupação no sentido de qualificá-los. Ninguém nasce preceptor e atualmente há conhecimentos e técnicas que podem ser trabalhados para melhorar continuamente o ambiente de aprendizado. Outros países já têm ações consolidadas nesse sentido e queremos expandir o número de preceptores qualificados no Brasil, em todas as especialidades. Estamos cientes dessa importância e por esse motivo há um grande investimento, por exemplo, nos cursos de formação de preceptores”, afirma o especialista.

Para ele, é importante trazer esse tema para o País. O modelo assistencial, com a APS como base, está sendo fortalecido por diversos países da Europa, América do Norte e América Latina, que estão trabalhando, ao mesmo tempo na formação de profissionais capacitados para esse modelo. “É importante ressaltar que o Brasil, apesar de todas as dificuldades, está conseguindo avançar muito nessa área, especialmente no que se refere à elaboração de um marco legal abrangente, ações integradas em vários níveis e com planejamento em longo prazo”, conclui o professor.

Além disso, há um maior comprometimento dos municípios brasileiros nesse processo de formação de recursos humanos e necessidade de integração com instituições acadêmicas mais tradicionais. “Não é mais possível aceitar a ideia de que as coisas estão dissociadas: para termos profissionais qualificados, é importante investir em sua formação, na valorização dos preceptores e na infraestrutura assistencial, que dá suporte a tudo isso”, afirma.

Para Nilson Ando, a grande novidade é a universalização da residência médica no Brasil: “A partir de 2018, deveremos ofertar a mesma quantidade de vagas de residência médica em relação ao total de egressos dos cursos de medicina no País, sendo que, dessas vagas, 40% devem ser para a formação de médicos de família e comunidade”.