Violência contra mulheres em situação de rua

7 de dezembro de 2020

Texto número 18 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs. 

Quando começamos a pensar a respeito de mulheres em situação de rua e sobre os diversos tipos de violência às quais as mesmas estão submetidas, nos deparamos com uma dificuldade inicial de avaliar numericamente a quantidade dessa parcela da população, uma vez que a falta de residência fixa e a alta mobilidade, características dessa população, é um fator dificultador e que exige metodologias específicas para sua quantificação.

Em 2008, foi realizado o último censo para contabilizar o contingente de adultos vivendo em situação de rua no Brasil, que abrangeu 71 cidades brasileiras, incluindo 23 capitais e 48 mil municípios com mais de 300 mil habitantes. Foram contabilizados 31.922 adultos (equivalente a 0,06% da população dos municípios pesquisados), sendo 28% de mulheres.

Considerando-se que a criação dos censos visa a geração de dados a fim de subsidiar gestores públicos na formulação, na implementação e no monitoramento de políticas voltadas à população em questão, percebemos que estamos diante de dados muito desatualizados para o planejamento governamental e, dessa forma, reproduz-se a invisibilidade social da população em situação de rua no âmbito das políticas públicas.

Ao adentrar no tema da violência enfrentada pelas mulheres em situação de rua, poucas referências são encontradas, mas observa-se que elas possuem convergências entre si e com a prática clínica de outras equipes de saúde. Na rua acontecem diversas formas de violência: física, sexual, humilhações, privação de espaço para higiene por não ser ofertado pelo poder público, violência psicológica por parte dos companheiros e policiais, preconceito e estigmas.

Segundo Rosa e  Brêtas (2015), a violência física é o principal tipo relatado pelas mulheres, e são causadas por pessoas ou grupos intolerantes com a situação de pobreza vivida por elas; praticadas entre as próprias pessoas que se encontram na rua, cujas principais motivações são: as dívidas com traficantes, disputas por espaço, pequenos furtos, infidelidade conjugal e desavenças pessoais; e um tipo de violência planejada, de cunho higienista, praticada por policiais, pessoas contratadas por comerciantes ou moradores que se sentem prejudicados pela presença das pessoas em situação de rua nos arredores dos domicílios, comércios, monumentos e cartões postais da cidade. A violência sexual é outro tipo também bastante relatado por elas e praticada, quase sempre, por homens, em situação de rua ou não. Os demais tipos de violência, apesar de serem verificadas no estudo, pouco são designadas por elas como violência de fato ou, quando é, costuma ser vista como algo de menor relevância, demonstrando que essas mulheres adquiriram certa tolerância a formas não físicas de violência.

As estratégias para o enfrentamento são inúmeras e envolvem questões de gênero, pois, sendo minoria, as mulheres têm muitas vezes que se submeter aos homens para sobreviver e serem ali respeitadas, além disso, a perpetuação do consumo de drogas também se mostra como uma forma de lidar com o sofrimento e tristeza que as acometem, o que enfatiza Alves (2015).

As motivações que levam essas mulheres a morarem na rua são muito individuais. Em Rosa e Brêtas, algumas mulheres relataram que a vida na rua foi a saída encontrada para se livrar da violência doméstica, outras, o uso de drogas foi o principal responsável pela situação de vida nas ruas. Com o tempo, foram deteriorando seus vínculos familiares; comprometendo as relações de trabalho, estudo, cuidado aos filhos, que, somada à escassez de recursos financeiros e a ausência de instituições que lhe garantissem segurança e proteção, moldaram seu trajeto de vida até a situação de rua.

A literatura coloca como característica fundamental dos profissionais que assistem esta população o olhar atento ao impacto que os modos de vida na rua têm sobre o processo saúde-doença-cuidado para estas pessoas. A complexidade da situação de rua para as mulheres demanda a ampliação do próprio conceito de cuidado, necessitando a criação de rede interdisciplinar e intersetorial como estratégia de apoio para a saída desta condição de vida, se assim elas desejarem ou, simplesmente como forma de acolher o sofrimento, as agressões e os riscos enfrentados por elas.

Por Bárbara Urquiaga – Médica de Família e Comunidade, Médica do Consultório na Rua – AP 3.3 – RJ

http://lattes.cnpq.br/4972507118114354

 

Referências Bibliográficas:

Alves MER. População em situação de rua: a violência contra a mulher em situação de rua como expressão da questão social. VII Jornada Internacional Políticas Públicas.  Universidade Federal do Maranhão. Agosto/2015. Link: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/populacao-em-situacao-de-rua-a-violencia-contra-a-mulher-em-situacao-de-rua-como-expressao-da-questao-social.pdf. Acesso em 22/11/2020 as 18h

Biscotto PR, Jesus MCP, Silva MH, Oliveira DM, Merighi MAB. Compreensão da vivência de mulheres em situação de rua. Rev. esc. enferm. USP vol.50 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2016.

Cortizo RM. População em situação de rua no Brasil: o que os dados revelam? Monitoramento Sagi: série relatos de caso no 2. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Departamento de Monitoramento. Ministério de Cidadania Brasília/DF. Junho/2019.

Lima M. Os desafios diários enfrentados pelas mulheres em situação de rua. Redação Observatório 3º setor. Link: https://observatorio3setor.org.br/carrossel/os-desafios-diarios-enfrentados-pelas-mulheres-em-situacao-de-rua. Acesso em 22/11/2020 as 18h